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domingo, 25 de fevereiro de 2007

Esta semana sofri um abalroamento e consequente atropelamento. Por isso tenho estado tão calada e não me tem sido possível correr.

O carro nem precisou do alarido de um pião propositado a meio da A2 ou da A1 ou outra A qualquer, nem de um estacionamento e abandono a meio da 25 de Abril para ser completamente abalroado e feito num oito. E eu, estendida e esmagada contra o asfalto negro, quase irreconhecível.

Os que eu ainda insisto em chamar de amigos, os poucos com coragem para se meterem no meio da auto-estrada, dançando e desafiando a sorte para evitar o choque consequente das manobras tresloucadas de um único veículo que insiste em me pisar e repisar em inúmeras manobras o corpo já inerte e desfeito no asfalto, numa amálgama de carne e sangue, conseguiram em pedaços retirar-me da via e carregarem-me para a berma. Primeiro o tronco com a cabeça pendente para trás deixando um rasto de sangue viscoso que escorre da nuca e desenha uma linha que ganha estranha forma no chão negro. Depois os membros e ainda o coração ferido trazem-no em mãos com cuidado e depositam junto ao corpo.

Vejo-os. Sob uma cortina densa que me turva a vista, vejo-os e agradeço-lhes. São poucos, como seria de esperar nesta situação, mas são alguns e estão ali a apanhar-me os pedaços e a ajudar-me a reconstruir-me.

Alguns ainda, nesta autêntica operação de busca e salvamento, foram atingidos também e mesmo apenas com alguns arranhões, depressa se põem a salvo e não mais os vejo.

Mas há os que continuam, alheios aos salpicos de sangue que esguicha agora da estrada debaixo dos pneus e que lhes sarapinta o rosto e a roupa, limpando-me o sangue que se me escapa por todos os orifícios do rosto, me apertam a mão e me dizem que vou ficar boa outra vez e poder correr, escrever, sorrir e viver.

Deitada no chão acredito neles e parece-me ouvir muito ao longe o som de uma ambulância, e agora já mais perto parece-me ver os lampejos azuis do 112. Chegaram ainda a tempo.


Dias mais tarde, no Grande Prémio do Atlântico passar-se-ia esta cena:

- Tu por aqui?! Mas ainda tens cara para andar de pé?! E vais correr?! Neste estado? Nesta situação?!

E responderia eu com naturalidade:

- Claro que vou correr! Mas existe algum motivo para deixar de o fazer?


Isto ter-se-ia passado se eu tivesse ido, mas infelizmente por vezes há motivos que nos ultrapassam e que nós por mais que corramos não os conseguimos ultrapassar.

Mas hoje, mesmo sem ter corrido, e ainda a recuperar a consciência e ao ver de novo a minha baía azul visitada nesta altura do ano pelas várias espécies de aves marinhas que descansam nas suas ilhotas, senti-me feliz. E feliz por dois singelos motivos.
É que nestes dias parece que percebi que posso perder quase tudo que pensava fundamental para a minha existência como a casa, o carro, o emprego, as corridas e até por momentos os companheiros e amigos, os sonhos e o sorriso, mas afinal nada disso tem a importância que normalmente atribuimos. Pois se é verdade que não podemos viver sozinhos e precisamos e dependemos também dos outros, não menos verdade é que a vida está em constante mudança, e na mais crua verdade só nos temos a nós próprios e o mundo para conquistar. Para perder e para ganhar. Sonhos para perder, novos sonhos por inventar. Portas que se fecham, novas portas para abrir. Assim será sempre até ao fim, o nosso fim. Sempre.

O que real e efectivamente a mim me importa são duas singelas coisas que não perdi: a própria vida e o que de facto me sustém nela e que não está mencionado atrás, e isso é mais que suficiente para me sentir feliz. E só por isso, dei por mim a olhar o Tejo e as aves, com duas lágrimas a escorrem-me pela cara, mas a sorrir de novo.

15 comentários:

Anónimo disse...

Cara Ana desejo-lhe uma rápida recuperação desse infeliz acontecimento, para que possa novamente voltar a uma vivencia normal e a fazer algo de que tanto gostamos:correr.
Um abraço
José Magro

Anónimo disse...

Olá Ana,

então o que é que se passou?
Eu realmente estava a estranhar a sua
Ausência, mas nunca a pensar numa
Situação dessas, Ana,todo o cuidado
É pouco, ás vezes pensamos que só
Acontece aos outros, mas não, e só
Quando estas situações passam por
Nós, aí começamos a dar mais valor
Ás coisas,
Ana desejo-lhe rápidas Melhoras, provas há muitas agora há
Que recuperar, no entanto estou há
Espera na prova das Lezírias.
Até lá tudo de BOM.
AP

Anónimo disse...

Bom dia,

Não fazia a mínima ideia de que tivesse tido um acidente. Espero, sinceramente, que o descrito no post tenha sido exacerbado pela criatividade da escrita. De qualquer forma, algo aconteceu e, se precisar de alguma coisa, é só dizer.
Estou perto e a oferta de ajuda é feita de coração.
As melhoras
Paula

Jose Paulo Neto disse...

Bom dia, foi mesmo atropelada?
Espero bem que não e que este seja mais um dos seu pensamentos...

Infelizmente fez-me recordar uma terrível situação que um dia fui alvo...

Desejo-lhe a melhor recuperação possível, seja ela emocional física ou ambas.

Bons treinos

Lénia disse...

Olá Ana,

Este texto deixou-me um pouco assustada de início, e depois confusa. Mas penso que na realidade tudo não passa de uma metáfora, não é?
Conclusão, uma: a Ana tem sorte, tem família e ainda alguns amigos que ainda se disponibilizam para recolher e compôr os restos de si própria. É ou não é? Claro que é!

Bem, Ana, já estou inscrita na meia de Lisboa, espero ver-te lá. Provavelmente vou um dia antes para recolher o dorsal e passear um pouco.

Beijinhos (espero termos mais tempo desta para falarmos, se possível. Aquele abraço e aquela foto souberam a pouco!)

Anónimo disse...

Querida Ana
Primeiro fiquei assustado, agora nem sei...
Espero que estejas bem

Anónimo disse...

Às vezes gostava que me trouxessem o coração nas mãos, primeiro porque seria motivo de ele ter estado com alguém e depois porque eu própria me tenho sentido distante dele... enfim... impressionou me muitooooooooo o texto!!!! Espero que tudo esteja bem, tenho uma grande admiração pela dedicação a corrida, minha nossa a maior frustração q sofro é não ser capaz de fazer exercicio fisico, inscrevi me mil e uma vezes em ginasios em vao, tenho bicicleta de pedalar em casa e nadaaaaa... gostava mesmo de ganhar força de vontade! muito mesmo!:( Parabéns pela determinação e OBRIGADA pela visita;)

Forçaaaaaaaaaaaaaa!!!

Anónimo disse...

Não havia também uma personagem mitológica que estava sempre a renascer?

Zen disse...

Ana

Não sei contra quem lutas, pelo que lutas e porque lutas, sei é que com coragem ainda lutas, mesmo que essa luta seja contra os chamados "moinhos de vento", pois a vida também é feita de sonho e mistério e nunca sabemos onde tudo começa e acaba, se na realidade se na fantasia se em ambas.

No entanto, a metáfora do "atropelamento" é dura e a sua consequência parece ser dramática e assustadora. Penso que a tua experiência de vida te permitirá com serenidade e( mais uma vez) coragem enfrentares esta situação que metaforicamente descreves, mesmo com lágrimas a rolarem-te pelo rosto.

Tive a oportunidade nos muitos passeios de caiaque que fiz nos esteiros do Seixal ver as bonitas aves que aí nidificam. Uma zona que já devia há muito ser reserva ( Seixal, Barreiro e estuário do Coina)e que a grande maioria das pessoas desconhece.

Tal como diz o "Tó", imagina-te uma "Fénix".

Fica bem

Anónimo disse...

Oh Ana

Prega-me cada susto !
Comecei por pensar que se tratava de um texto ficcionado, como tantos outros que tem feito, onde projecta o seu estado de espírito.
Depois achei que não, que se calhar, tinha sido mesmo atropelada. Voltei a achar que andavam a "apanhar bocados a mais" da Ana, para quem vem falar de corrida ... aos eu estilo.
Os comentários anteriores ajudaram-me a concluir que estava perante uma alegoria.
Isso não se faz, Ana !
Assusta mesmo. É que demora um bocadinho a pensarmos : "lá está ela!..."
Tem, no entanto, a grande vantagem de nos trazer brilhantes reflexões.
Mas... assusta, pronto!

Beijinho.

Unknown disse...

Olá Ana

Pois, temos na vida…certas coisas, piores que um acidente. Por isso, só posso deixar aqui um recado…Compre um camião tir…mas aqueles tipo americano…. Esses levam tudo a frente…

Anónimo disse...

Nuska,
Até eu que te vejo todos os dias , me assustei qdo li as primeiras linhas do que escreveste.
Se queiras ver se as pessoas se preocupavam contigo, só te tenho a dizer que conseguiste em cheio e que aqui tens uma série de comentários que só te podem encher de felicidade... Ainda bem que estás inteirinha "da Silva" e que não passou de mais uma prova da tua maravilhosa imaginação e facilidade na escrita. Sabes que não me canso de te dizer que quero o melhor para ti, portanto nada de acidentes,... mas talvez o camião não fosse má ideia !!!! Jocas , té manhã amiga ** TD

Runnerboy79 disse...

Ola Ana é primeira vez que comento aqui no seu blog.Apesar de ser um visitante assiduo desde que o comecei a visitar.Nao sei se sabe tb tenho um blog dedicado à corrida www.runnerboy79.blogspot.com.Nao sei se conhece ou se já visitante.De qualquer modo fico aguadar a sua visita.Gosto muito da forma como expressa as suas sensações e emoções por si testemunhada neste grande "Mundo da Corrida"

Bjs

Maria Sem Frio Nem Casa disse...

É lá! Será que exagerei? (só coloquei a questão quando li alguns comentários e quando algumas pessoas me contactaram directamente). Exagerei? Penso. Não... nada disso! Fui até muito suave na descrição da vivência de que fui alvo...

Muitos se manifestaram, cada um à sua maneira, demonstrando no geral coisas muito bonitas de sentir, de dar e de receber...

Agradeço a todos!
Ah! E para não restarem dúvidas: Eu estou óptima!

TOTO disse...

Olà Ana;
deixou-me un pouco assustado menina, desejo-lhe ràpidas melhores.
para continuar a correr.

((antoine))