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sábado, 29 de novembro de 2008

Sábado






Porque hoje é sábado e como mais uma vez não me apeteceu correr, e antes os apetites foram os de pegar na "Poesia Completa" de Florbela Espanca, e de livro debaixo do braço, na esperança de partilhar esta alma que à vezes parece a minha ou a minha a dela, com amigos, conhecidos e desconhecidos, assim me sentei num lugar à mesa, na




Pedi para me fazerem um chá novo, quente e aromático, pois já tinha deixado arrefecer o que me tinham mandado servir, abri o livro e comecei a ler, fazendo de conta que estava só a fazer de conta falando de mim.


Os amigos ouviram-me. Atentos e felizes alguns por me verem de novo. Sabendo ou não do que eu estava a falar ao ler Florbela Espanca, mas ainda assim sorriam-me, ouvindo-me:



Eu ...



"Eu sou a que no mundo anda perdida,

Eu sou a que na vida não tem norte,

Sou a irmã do Sonho,e desta sorte

Sou a crucificada ... a dolorida ...



Sombra de névoa tênue e esvaecida,

E que o destino amargo, triste e forte,

Impele brutalmente para a morte!

Alma de luto sempre incompreendida!...



Sou aquela que passa e ninguém vê...

Sou a que chamam triste sem o ser...

Sou a que chora sem saber porquê...



Sou talvez a visão que Alguém sonhou,

Alguém que veio ao mundo pra me ver,

E que nunca na vida me encontrou!"



Florbela Espanca

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

"Ansiedad"

Quando há dias atrás escrevi algumas palavras sob o título “Ansiedade” alguém se lembrou e de alguma forma as associou (ou fez corresponder) a estas outras que transcrevo de seguida, canção escrita e composta em 1958, por José Enrique Sarabia Rodríguez, poeta, músico, publicitário, produtor de televisão e político venezuelano nascido em Pampatar, Isla de Margarita em 1936. Interpretada por diversos cantores, dos quais destaco Nat King Cole, é uma canção muito bonita. Bela mesmo. Um poema delicioso, amoroso e triste também, como o são tantas histórias de amor (mas não todas!)

Sendo o meu curto texto “Ansiedade” um estado pouco ou nada relacionado com o poema (será mesmo?), fiquei no entanto muito feliz só por pensar na hipótese de existir alguém a quem eu pudesse escrever aquelas palavras, ou existir alguém que as pudesse escrever para mim. Infeliz e definitivamente, hoje, não tenho. Mas hoje… voltei por instantes a permitir-me sonhar. Sonhar que ainda posso. Sonhar. Ser mulher, amar, desejar e ser desejada. Sonhos... E eu hoje sonhei...

Sem mais outras palavras hoje, deixo-vos estas, de José Enrique Sarabia Rodríguez:

Ansiedad

Ansiedad de tenerte en mis brazos
Musitando palabras de amor
Ansiedad de tener tus encantos
Y en la boca volverte a besar

Ansiedad de tenerte en mis brazos...

Talvez estés llorando
Mis pensamientos
Mis lagrimas son perlas
Que caen al mar
Y el eco adormecido
De este lamento
Hace que estés presente
En mi soñar

Quizás estés llorando
al recordarme
Estreches mi retrato
con frenesi
Y hasta tu oido llegue
la melodia salvaje
Y el eco de la pena
de estar sin ti”

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Os meus meninos

Quem vai lendo este blogue, talvez se recorde que há tempos a Flora perdeu o companheiro, encontrado morto no fundo da gaiola, frio e inerte, de forma inesperada e surpreendente.

A Flora chorou em silêncio e no seu silêncio interrogou-nos pedindo respostas que não soubemos dar. Amamo-la. Nessa altura aprendi o que era amar um “estúpido” pássaro. Na altura, sofremos com ela, impressionadas como cabia imensa dor num coraçãozinho tão pequeno. Sofremos.

Depois do luto, trouxemos-lhe para casa um menino verde, o Ervinha, ligeiramente mais novo que ela, na esperança dela o não rejeitar e de o aceitar como novo companheiro. Dois dias fechada no ninho, espreitando desconfiada, e após alguns “incentivos” para sair do único sitio em que se sentia segura, negando a vida, o desafio, a amizade, o amor, lá conseguimos que a Flora estabelecesse contacto com o Ervinha.

Em menos de uma semana já eram amigos. Ambos de personalidade forte. Amigos e carinhosos num momento para logo discutirem e disputarem um lugar no baloiço, ou um pedaço de pão.

Refilões mas Amigos. Tornaram-se amigos. Namorados. Acasalaram e começaram os treinos para uma alimentação boca-a-boca. Experimentaram o ninho e brincaram aos pais e mães.

Por fim nasceram quatro ovinhos, espaçados por dias. Ela estava sempre no ninho, saindo de vez em quando e não permitindo a entrada do Ervinha sem a presença dela lá. Por vezes, ficavam ambos em simultâneo dentro do ninho, quentinhos e calados, a manter os ovos quentes.

Um dia, um ovo apareceu partido, praticamente vazio, liquido espalhado…

Restam agora três ovinhos mas de forma assustadora e ao contrário do que se passava inicialmente, a Flora passa agora a maior parte do tempo cá fora.

Contentes eles, brincam, ralham, dormem encostados e aconchegados um no outro, cá fora num poleiro, ignorando o que poderiam vir a ser as suas crias. Virão? Alguém me ajuda a perceber o que se poderá estar a passar? A mãe ao perder antecipadamente um filhote, rejeita de imediato os outros, deixando-os ao gelo da noite sozinhos no ninho?

Que se passa? Compreender a Natureza é preciso, mas neste caso… não estou a conseguir… Bem…para dizer a verdade, nem neste nem noutros… mas esses outros, ficam para outro dia.

Os meus meninos:


A Flora:

O Ervinha:

Os ovinhos... nascerão filhotes ou não? A minha inexperiência com periquitos não me permite sequer prever o que se vai suceder, mas temo que pelos longos períodos que os ovos ficam abandonados no ninho... não iremos ter bébés...


Até amanhã querido diário, tu que me lês e ouves...

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Carta fechada a uma mãe

Mãe!

É tarde demais Mãe.
As luzes estão apagadas
As janelas e as portas
Fechadas.

É tarde…
O que foi morto,
Castrado assassinado
Não se pode fazer renascer

Apesar do caixão aberto
O corpo está frio Mãe
E agora é tarde demais

As lágrimas que rolam
Gelaram como o coração

E já nada sinto.

E sei que apenas e só
Me suportas…
Como cruz que carregas

Não me peças beijos
Que não os tenho
E abraços perdi-os
Em leitos perdidos

Quantas vezes me interrogo
Se mais não valeria
Teres-me morto à nascença
E evitado tanta dor


Vida desperdiçada
A tua e a minha.

Mãe… é tarde agora
E está frio…
Vou sair agasalhada
Não me esperes mais...


Que eu não sei se volto...

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Ansiedade


O tempo e a Ansiedade

Jamais saberemos o tempo que temos. Cremos numa verdade mas se pensarmos, duas vezes apenas que seja, veremos quão frágil é a nossa verdade, o nosso tempo, a nossa vida.

Adivinho o fim. O do ano. Antes e depois de outros fins. Adivinho mudanças esperadas. Não espero as inesperadas que nos assaltam quando menos esperamos demonstrando quão inúteis são os pensamentos e as preocupações esperadas.

Ter consciência disso nem por isso diminui a ansiedade, ou o medo, ou o pânico.

O tempo. Escoa. Escrevo enquanto tenho tempo. Respiro enquanto este tempo não se me acaba.

Falta-me o ar. Falta-me o tempo. Faltam-me as palavras. Respiro apenas... e escrevo. Enquanto há tempo...e palavras.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Amigos


Definir amigo…

Pode ser tarefa desgastante e muito provavelmente inútil. Palavras leva-as o vento. Aos Amigos não.

Procurei no dicionário e hipoteticamente esclareço que Amigo é aquele que quer bem.

Se assim é, tenho de facto muitos Amigos e sou Amiga de muita gente também. Mas num lirismo e mania de aprofundar as coisas teoricamente, para hipoteticamente as aplicar na prática, quero mais do Amigo, da palavra e do Homem. Quero atribuir um significado mais profundo, tão profundo que talvez não exista, dando-me a falsa conclusão de que não tenho Amigos e que de ninguém sou Amiga. O que é de todo falso.

Confesso que não me esforço muito para cativar amigos. E que não tenho muitos. Ou tenho?

Reflexões estas com outras à mistura, que me levam a pensar que Amigo não é mais que a consequência de um conjunto de circunstâncias e casualidades. Infelizmente pode ser assim.

Mas Amigo que é Amigo não desaparece. Depois da circunstância e apesar das distâncias físicas e geográficas, continua lá. Ou não? Tudo não passa de uma tábua de salvação imaginária e carunchosa a que nos agarramos em momentos de dilúvio?

Temos nós Amigos? Somos nós verdadeiramente Amigos? O que é ser Amigo verdadeiramente ? Exijo demais? Dou de menos?

E os outros ? E eu? (que sou um dos outros para esses mesmos outros)

Chamamos amigos aos que por diversas circunstâncias a vida nos juntou. Empatia, simpatia e necessidade também, faz do Homem … Amigo. Interesses comuns, partilha de algumas ideias e ideais, e depressa estamos a chamar o outro de Amigo, desenvolvendo-se afectos também, satisfazendo uma fome emocional que necessita ser alimentada.

Não queiramos racionalizar o Amigo. Sejamos apenas. Amigos. Sintamos a Amizade. Dêmos Amizade. A vida é curta demais para vivermos sós. Sem Amigos.

Seja lá como for, às vezes sou surpreendida. Surge-me um Amigo, saltando-me aos pés saído por trás de uma moita, quando caminho descalça e sozinha por entre silvas. Às vezes acontece. Aconteceu-me esta semana.

Sabendo os meus Amigos do que o facto de correr ou não correr, para mim significa e como se traduz em vida, ou não vida, esta semana fui agradavelmente surpreendida. Não que não soubesse que os Amigos estavam lá, mas às vezes, para além de não nos esquecermos que temos nós de abrir as portas, é bom também vê-los entrar, dar o passo para a porta aberta (assim não a tranquemos nós). Saber apenas que estão à soleira não é suficiente… Pelo menos para mim não é. Manias…

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Ecos

Por vezes dou por mim a pensar que este blogue não passa de um caderno amarrotado e amarelecido pelo tempo, e por lágrimas e suor também, que ninguém lê, ou que muito pouca gente lê. De utilidade ou interesse reduzido, ou pelo menos, muito relativo. Não são raras as vezes que questiono a sua existência e continuidade, para além de um entretimento pessoal que se veria plenamente realizado ao retornar ao velho diário de papel e de capa preta, esse sim, que ninguém leria.

Pois hoje, ao contrário do que vi no meu país, vejo o "Maria Sem Frio nem Casa" mencionado e divulgado na revista brasileira “Contra-Relógio”, inserido num artigo sobre o fenómeno de Corrida e Blogues.

Carregue na imagem para ampliar

Misturado no meio de dezenas de blogues, ele está lá. Divulgado e anunciado como… o que é: um blogue de alguém que corre e que escreve sobre corrida. Um eco do outro lado do Oceano...

Também por isso, reitero a minha convicção (por vezes abalada) de que a “Maria” deve e tem de continuar a existir. Como até aqui.

Mesmo com altos e baixos, palavras bonitas ou feias, diplomáticas ou escandalosas, intensas ou vazias, prazenteiras ou dolorosas, quentes ou frias, tristes ou sorridentes, claras ou embaraçadas nelas próprias, ela tem de continuar pois há quem repare nelas, as leia, as saboreie, absorva e use. Para qualquer coisa. E ainda ache que elas merecem ser divulgadas. Do outro lado do Oceano, ecoa a Maria. Por isso, também, ela continuará. Obrigada “Contra-Relógio”.

sábado, 15 de novembro de 2008

III Grande Prémio da Arrábida

Sábado, 15 de Novembro de 2008

Querido diário

Abro-te nas páginas em branco que aguardam palavras. Palavras cheias ou vazias, como as marés e como as pessoas. À espera de serem escritas. Páginas da vida em branco, ainda por preencher.

Grito. Mudo. Queria um nome para chamar. Mas já perdi os nomes. Todos os nomes. Não tenho já nomes para chamar e gritar desesperadamente por eles, na esperança de um abraço, de um amparo na queda vertiginosa em que propositada e inconscientemente me lancei. Como se o propósito e a inconsciência fossem possíveis de coabitar na mesma frase mantendo esta um ténue que seja sentido lógico. Mas tem a vida alguma lógica de facto?

Não tenho problema nenhum. Pelo menos problema nenhum de importância. Por isso posso massacrar-me privilegiadamente com outros problemas. Os sem importância. Sem importância nenhuma. Sendo a importância não uma classificação exacta regendo-se por parâmetros rigorosos e científicos, mas a subjectiva forma de nós os encararmos. Não tenho problemas nenhuns.

Não corro. Já não sei se gosto de correr. Penso cada vez mais que já só corro para tirar retratos e sorrir como se quisesse mostrar que o instante fotografado não é mais que o registo da constância da minha felicidade.

Corro para escrever. Corro para sorrir entre amigos e para tirar retratos. Está tudo errado.

Até amanhã querido diário. Tu, pelo menos tu, estarás aqui amanhã. Eu? Não sei.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Frio / Doente / ou / Outro título qualquer

3 de Novembro de 2008. Está frio na Casa. Está Frio fora e dentro dela.

Sente um Frio penetrante apesar das mantas que a cobrem e das faces rosadas e mornas que traz, reflexo talvez de um estado febril e alucinado em que se encontra desde a Maratona que não correu. Ficou doente desde esse dia. Talvez por uma outra vez não a ter corrido. A Maratona do Porto.

3 de Novembro de 2008. Está Frio. Está anormalmente Frio hoje nesta Casa. Suportando nas costas o peso dos dias, ela fez e faz de novo a ponte. Entre os dias. Invariavelmente de segunda a sexta, carregando os dias, e as semanas, assim como quem carrega os sacos das compras contendo fruta e leite, e põe na mesa o pão. Incontáveis os dias e as semanas e as refeições tomadas nesta e noutra mesa. Restam vinte e oito pequenos-almoços para servir em Novembro, para se completar outra ponte e atravessar Dezembro, já histérico na rua à espera de chegar. O mesmo número de jantares e apenas oito almoços preparados aos fins-de-semana. Dia após dia, levantado a mesa e o corpo da cama, pondo a mesa e, carregando os pratos e os dias, ela avança unindo dias, semanas, meses. E por vezes sente-se cansada. E hoje é uma dessas vezes.

No leito, descansa o corpo e os olhos para logo reparar no olhar dela. Invadiu-lhe o pensamento assim sem pedir licença e entrou impondo-se ali à sua frente. Olhar vivo mas triste o desta outra mulher bonita e jovem apesar dos anos que já viveu. Olhar triste mas que irradia brilho quando em inconsciente busca de socorro responde a quem pergunta se ela se sente melhor pois sabe-a doente, que não tem nada e que estava só a chamar a atenção… Menosprezando as suas próprias queixas e dores numa estúpida tentativa de desculpar um hipotético companheiro, ausente, desatento e desinteressado, é traída também pelo seu olhar que revela abertamente um pedido de ajuda, um grito mudo que ela leu sem dificuldade. Puta de vida esta. Esta mulher não merecia isto… E ela… ela em certas situações não devia sequer saber ler…

Necessidades do corpo despertam-na e obrigam-na a levantar-se. Doem-lhe os músculos sem ter corrido, e as costas sem ter caído. Sente dificuldade em respirar, engolir e até em se equilibrar quando se desloca, e uma ligeira dormência dos membros acompanhada por um coração descontrolado quase que a assustam. Volta da casa de banho com a manta pelas costas, apoiando-se nas paredes e regressa ao leito onde fecha de novo os olhos, aconchega as mantas ao queixo e dorme. Dorme fazendo a ponte para outro dia. O amanhã. O amanhã que se quer e espera surpreendente e assustadoramente igual e diferente.