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sábado, 26 de abril de 2008

Alimento

No final da peça, quando de pé o público aclamava e as palmas e os bravos ecoavam na sala, as lágrimas corriam-me pelas faces. Não era só um nó na garganta, não. As lágrimas corriam, até chegarem ao queixo, contorná-lo e caírem perdidas, como já não corro eu nem choro eu, há muito.

Não que a peça e o tema se prestem a choradeiras ou toque o lamechas sequer, nada disso. É uma peça alegre onde batemos palmas ao tom da canção e das músicas e das cores alegres no palco, por diversas vezes.

Nós – ou eu - (cada vez acredito mais nisso) é que incapazes de chorar pelo que nos inquieta ou aflige ou mesmo tortura, cada vez mais pegamos em emoções alheias, pequenos nadas, que nos servem para nos agarrarmos e soltar as nossas lágrimas, assim dissimuladas e enganosamente justificadas, talvez adivinhando o fim trágico de Pedro no conto e não no palco.

E o Teatro traz tanta emoção. Está tudo ali. Frente a frente. Os olhares, as vozes, os gestos, as luzes. Nós e os actores. A emoção sente-se.

Tenho a minha estrela ao lado, e ela ilumina meu coração, e quero que ela absorva a mensagem: a estrela está dentro de nós. Sempre! Mesmo nas noites mais escuras e nos ceús carregados de nuvens. Lá por trás dessas nuvens haverá sempre uma estrela a iluminar-nos, pois ela está afinal dentro de nós.

Muito bonita a peça, como Filipe La Féria já nos habitou. “A Estrela”. Baseada no belo conto de Vergílio Ferreira (1916-1997).

É preciso alimento. Para o corpo e para a alma

Para o corpo, de regresso a casa compro leite e pão e queijo que é o que falta para amanhã de manhã, e o dinheiro no bolso ainda chega para isso, mesmo depois de pagar o bilhete do barco para a miúda – que agora a Transtejo nos obriga a comprar um cartão (EUR 0,55) e depois “carregar” viagens nesse cartão, nem que seja uma só viagem, e cartão e ida e volta deu EUR 2,09.

Para a alma, enchemos a barriga esta tarde. Um verdadeiro banquete que poderia ter custado de 15 a 24 euros (2 pessoas), mas como não há cão que não tenha sorte, tive eu 2 bilhetes oferecidos por um programa de rádio a um amigo que prescindiu deles, oferecendo-mos. Caídos do céu! Que nem ginjas! Que mais brilhante tornaram a minha estrela. Reluzente no céu e no nosso coração –não é afinal tudo e só a mesma coisa?


Para que percorres inutilmente o céu inteiro à procura da tua estrela? Põe-na lá.”
Vergílio Ferreira


Sem corridas ultimamente… Porque este blog persiste, Ana?

- Porque ...

“Escrever é ter a companhia do outro de nós que escreve” Vergílio Ferreira

sexta-feira, 25 de abril de 2008

25 de Abril de 1974

O 25 de Abril de 1974 e as Corridas

Tinha apenas 5 anos. Sentada no poial à porta de minha avó, sentindo o frio da pedra no rabo, ouvia a “Tourada” de Fernando Tordo. Lembro-me.

Tourada

"Não importa sol ou sombra
camarotes ou barreiras
toureamos ombro a ombro
as feras.

Ninguém nos leva ao engano
toureamos mano a mano
só nos podem causar dano
espera.

Entram guizos chocas e capotes
e mantilhas pretas
entram espadas chifres e derrotes
e alguns poetas
entram bravos cravos e dichotes
porque tudo o mais
são tretas.

Entram vacas depois dos forcados
que não pegam nada.
Soam brados e olés dos nabos
que não pagam nada
e só ficam os peões de brega
cuja profissão
não pega.

Com bandarilhas de esperança
afugentamos a fera
estamos na praça
da Primavera.

Nós vamos pegar o mundo
pelos cornos da desgraça
e fazermos da tristeza
graça.

Entram velhas doidas e turistas
entram excursões
entram benefícios e cronistas
entram aldrabões
entram marialvas e coristas
entram galifões
de crista.

Entram cavaleiros à garupa
do seu heroísmo
entra aquela música maluca
do passodoblismo
entra a aficionada e a caduca
mais o snobismo
e cismo...

Entram empresários moralistas
entram frustrações
entram antiquários e fadistas
e contradições
e entra muito dólar muita gente
que dá lucro as milhões.
E diz o inteligente
que acabaram asa canções."
Poema de José Carlos Ary dos Santos

Sem compreender e sem me explicarem pois o medo ainda se manteve por muito, só sei que 3 anos depois ingressei num clube de atletismo, dos muitos que abriram as portas ao povo pelo povo. E desde aí o amor nasceu. Pela corrida. Com 8 anos apenas corri pinhais, estradas e pistas. E amava isso. E isso eram portas abertas. À vida, à felicidade, à liberdade, à aprendizagem, ao crescimento, à formação e socialização. E hoje, 34 anos depois da Revolução, essa porta continua aberta e eu posso correr: por vales, montanhas e serras e estradas.

Não podia passar esta data em branco. Tenho uma filha de 10 anos e é meu dever ensinar-lhe que esta vida como ela a conhece neste país, não foi sempre assim. Felizmente em Almada, na escola que ela frequenta, o dia de ontem foi em absoluta e pedagógica comemoração. Aprendendo brincando. Um Peddy Paper cujo tema foi o 25 de Abril de 1974. Uma actividade lúdica que a deixou feliz e mais consciente. Aprendeu, a brincar.

Hoje podemos dizer como a criança, voar como a gaivota e crescer como a papoila. Livres.

Uma liberdade que deve ser aprendida também. E para isso cabe-nos a nós ensinar. Ensinar a ser livre respeitando o outro e fazer uso da frase que poucos entendem: a nossa liberdade acaba quando começa a do outro. E esse papel é de todos nós: pais, educadores, de toda uma sociedade adulta que por vezes não teve ela esse ensinamento, e por isso não sabe ensinar, apontando apenas o dedo à geração que lhe seguiu, esquecendo-se que essa geração é fruto deles, dos que apontam o dedo.

Vendo

Tenho um amigo que diz que tudo na vida tem um preço e que tudo se vende e tudo se compra.

Assim como a vida e a morte (embora muitas vezes também essas possam ser compradas e vendidas), eu ainda tenho a dose necessária de ingenuidade e integridade para acreditar que há muito mais coisas que não se podem comprar ou vender. Bem… Talvez não muitas… mas algumas, sem dúvida!

Por ora, tenho à venda uma Passadeira de Corrida, praticamente nova (muito pouco utilizada) cujas características discrimino abaixo, e das quais saliento o seu excelente amortecimento o que a torna ideal para evitar lesões ou para quem esteja em fase de recuperação delas e o piso exterior seja demasiado duro.

Tem várias inclinações e velocidades, programas pré-definidos de treino, leitor de Cd, ventoinha, e um sem número de utilidades que a fazem ter um preço de mercado de EUR 2000,00.

Como é usada (apesar de ter pouco mais de 8 ou 10 utilizações) e como preciso de trocá-la por euros… vendo-a pela módica quantia de….“a melhor oferta”.

Deu-se a partir deste momento a abertura do Leilão.

A Máquina:

O Painel de Controlo do "Avião":
Os magníficos amortecedores:

Características:
- Inclinação ajustável até 14% de inclinação
- Velocidade ajustável até 19,3 Km / hora
- Possui Correia para controlo da pulsação
- 13 programas de Treino pré-programados
- Possibilidade de programção e gravação de treinos personalizados
- Chave de segurança
- Leitor de Cds incorporado com um óptimo som
- Ventoinha de 2 velocidades incorporada
- Possibilidade de ligar a máquina a TV, vídeo e PC e correr em paisagens escolhidas que se deslocam à velocidade do utilizador dando a ilusão de correr no local (com cassetes e CD roms não incluídos – ver site http://www.ifit.com/
- A máquina pode ser fechada para arrumação
- Contagem de calorias dispendidas durante o treino
- Medição da distância percorrida
- Medição da média/km- Cronómetro
- Molas de amortecimento que garantem um excelente amortecimento em cada passada
- Motor muito silencioso
À disposição para quaisquer questões ou dúvidas relacionadas com o assunto, que entendam por necessárias, deixo o meu contacto:
Ana Pereira
Telem: 964 937 456

terça-feira, 22 de abril de 2008

Missão Cumprida

Não. Não corri uma maratona, nem uma meia nem sequer cheguei à meta de uma prova curta. Nem fiz um treino longo nem sequer um curto. Nem suei que nem uma égua a exercitar-me entre quatro paredes nem nadei que nem um golfinho durante horas seguidas, ou minutos que fossem. Nada disso.

Ainda assim, chego à noite e tenho a inequívoca sensação de missão cumprida. Aquela que os bloguistas (onde eu me incluo evidentemente) enaltecem e valorizam sobremaneira cada vez que saem para a rua e fazem um treino de 30 minutos ou de 2h30m, ou mesmo sem sair de casa fazem 300 abdominais e 20 séries de levantamentos de pesos, e depois ainda suados, correm para o computador e escrevem: “Missão cumprida”. Hoje, sem ter feito nada disso, escrevo também sem qualquer dúvida: “mais um dia de Missão Cumprida!”

Hoje, eu só coloquei o despertador um nadinha mais cedo que o habitual pois tinha deixado a máquina da roupa a trabalhar e queria deixá-la estendida antes de sair para o trabalho. Assim fiz, tomei duche, vesti-me, despertei a filhota com muitos beijinhos, preparei o lanche dela e o meu acrescido de almoço. De seguida o pequeno almoço, pão de sementes torrado com manteiga e queijo para ela, e leite com chocolate. Para mim café com leite e pão seco, que o queijo e a manteiga é preciso fazer render, e o meu corpo já tem reservas a mais.

Pequeno-almoço juntas. Momento feliz do dia. Que dá início à rotina diária que se deverá repetir. As mochilas para as diversas actividades do dia já preparadas de véspera são colocadas às costas e deixadas no ATL, e a miúda ao portão da escola, onde faço questão de a deixar todas as manhãs.

Apanho o autocarro e de seguida o barco. Numa caminhada de 10 minutos estou no escritório. Trabalho. Cumpro. Pelo meio assuntos pessoais. Vários. Muitos. Indignações, reclamações, pedidos, preocupações, e assim se avança mais um pouco nesta vida. Obstáculos transpostos ou apenas diminuidos e/ou adiados mais uns dias. Vencidos uns, ainda por vencer outros, e outros novos que surgem agora.

Fim de expediente. Regresso a casa. Compro queijo e manteiga da marca que está em promoção e com o valor do desconto oferecido, é-me possível trazer uma dúzia de ovos sem pagar. Boa!

Vou buscar a miúda à escola. Converso. Deito água nos canteiros que insisto um dia darão flor. Recolho a roupa. Recolho comida espalhada pela casa, e faço puré de batata e hambúrger para ela. Uma taça de nêsperas descascadas e sem caroço são a sobremesa. Mais uma noite com jantar na mesa. Para ela. Eu não me lembro do que jantei ou se jantei sequer, mas isso não tem importância nenhuma.

Ao serão, buscamos juntas um poema que ela terá de recitar na aula de Oficina da Palavra amanhã. Para estas e muitas outras coisas é útil a Internet. Analisamos vários.

- Humm… bonito mas muito grande, e tem assim palavras… - diz ela a torcer o nariz.

- Pois, não percebes nada disto, não é? Já agora devia ser um poema que entendesses, né?

Depois de passarmos por Fernando Pessoa (muito pesado para a criança), Cecília Meireles, Sofia de Mello Breyner, entre outros (e até Bocage! – claramente inadequado à ideia e à idade, mas foi giro ler em conjunto alguns) - recaímos sobre Vinicius de Moraes, e a escolha foi para:

"O Elefantinho

Onde vais, elefantinho
Correndo pelo caminho
Assim tão desconsolado?
Andas perdido, bichinho
Espetaste o pé no espinho
Que sentes, pobre coitado?

– Estou com um medo danado
Encontrei um passarinho!"

Vinicius de Moraes


Depois de estudadas as várias e possíveis entoações e dicções, a decisão estava tomada. Será recitado amanhã “O Elefantinho”.

Dentes lavados, beijos doces e a menina vai para a cama. Dormir e descansar, que estas crianças de agora não têm a vida muito mais descansada que a de um adulto e não muito menos responsabilizada que a destes.

Cozinha arrumada e sento-me aqui porque escrever é preciso. E agora, ainda antes da meia noite, embora cansada e apesar de ter tido um dia vulgaríssimo de uma vulgaríssima mulher, com actividades vulgaríssimas, hoje sinto que cumpri a missão. A missão de hoje foi plenamente cumprida. E não precisei de correr para o sentir …


No entanto, no entanto, missões à parte, ando com a pulga atrás da orelha: “E não vais ao Guincho?” “Sempre vais ao Guincho?” “E não queres ir ao Guincho?” “E porque não vais ao Guincho?” - Ai… insistam só mais um bocadinho e ainda acabo lá! Nem que seja a caminhar… Ou talvez não. Até lá há ainda muitos dias para cumprir.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

A Montanha e Eu

Quem hoje procura corridas, novidades, fotos e sorrisos, e episódios engraçados, estúpidos, suados, didácticos, sensuais ou poéticos, pode e deve sair de imediato. Este é um post deprimido e deprimente.

Não sou exemplo para ninguém nem primo pelo optimismo e muito menos por uma conduta “politicamente correcta”. Sou eu. Só. Eu e este blog que é uma parte de mim. Em dias felizes, e em dias assim. Não porque o céu está cinzento mas porque o cinzento está dentro de mim. Por não encontrardes razões lógicas ou as não entenderdes, não é louco o triste porque está triste. Ou talvez o seja e só isso seja já só uma boa razão para estar triste.

Não estou só. Dão-me a mão. Um braço. Um ombro. Uma palavra. Uma ajuda. Agradeço. É pouco no entanto. Insuportavelmente insuficiente. Não que mais me fosse devido ou sequer merecido, não, não é isso. Quem me ajuda não pode dar mais. Deu tudo. Eu, é que não recebo. Fica um vazio. Branco. Imenso, como se o vazio pudesse ter tamanho e atingir o espaço imensurável. Não entendo este sentimento. Ou talvez entenda e não queira falar dele com todas as cartas do baralho sobre a mesa.

Não estou só. Podia ter ido ontem ao Corre Praia. Claro que podia! Não fui. Não o lamento sequer. E o facto de o não lamentar entristece-me ainda mais, pois significa a renúncia em receber. A renúncia de mim…

É o princípio do fim, se continuar em frente com o acelerador a fundo neste caminho que sigo em direcção à falésia, e se eu não for capaz de virar numa próxima encruzilhada da estrada. Propositadamente eu sei. E isso assusta-me.

E a Montanha, que me diz? Próximo domingo há os 13 Km do Guincho, Entre Serra e Mar, a contar para o Campeonato Nacional de Montanha. E a Montanha, que me diz, vendo-me assim a esquartejar-me?





Vem dos lados da montanha (14-11-1931)

" Vem dos lados da montanha
Uma canção que me diz
Que, por mais que a alma tenha,
Sempre há-de ser infeliz.

O mundo não é seu lar
E tudo que ele lhe der
São coisas que estão a dar
A quem não quer receber.

Diz isto? Não sei. Nem voz
Ouço, música, à janela
Onde me medito a sós
Como o luzir de uma estrela. "

Fernando Pessoa

sábado, 19 de abril de 2008

As vezes que forem precisas

Quando me divorciei pela segunda vez, tive a maior e mais séria e grave discussão com a minha mãe. Talvez por não ter havido outras menores antes. Talvez. Não importa. Importa sim que a dado momento me interroga ela, onde iria eu parar, a continuar por “este caminho”. Quantas mais vezes me iria eu casar, divorciar, trocar de parceiro? Evidentemente que a “este caminho” estava ela a referir-se ao facto de me estar a divorciar pela segunda vez. Respondi-lhe simplesmente “As vezes que forem precisas!”

E assim sou e assim ajo. Nas mais vastas áreas da vida. Começo e acabo, e caio e levanto-me, e recomeço, e erro, e recomeço, e erro de novo, e recomeço de novo… Tantas vezes quanto as que forem precisas! Tantas vezes… quanto as que forem precisas…


Hoje acordei gorda outra vez. 62 Quilos. Não é nada impressionante a forma como emagreço e engordo. É facto perfeita, científica e facilmente justificado pelo meu comportamento no que directamente diz respeito a alimentação e exercício físico. Nada de extraordinário portanto.

Extraordinário é ainda não me ter cansado… de recomeçar.

Em Março de 1931, Fernando Pessoa retirou de si e deu-nos estas palavras:

Vão breves passando (28-3-1931)

"Vão breves passando
Os dias que tenho.
Depois de passarem
Já não os apanho.

De aqui a tão pouco
Ainda acabou.
Vou ser um cadáver
Por quem se rezou.

E entre hoje e esse dia
Farei o que fiz:
Ser qual quero eu ser,
Feliz ou infeliz."

Fernando Pessoa

E hoje, encontrei-as à solta desordenadas e perdidas dentro de mim desejosas de serem encontradas e dispostas assim, e assim, como as escreveu Pessoa, trago-as eu aqui.

E se amanhã é o Corre Praia na Costa de Caparica, eu não sei ainda se irei, pois de mim só sei hoje e agora. Mais tarde já não serei o que agora sou, nem saberei como e onde estarei.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Estômago

Incrementando o rol de mentiras e de verdades, que já se misturaram há muito nas página deste diário, e crescem desmesuradamente, rolando como bola de neve crescente, quando hoje ao meu comentário, no escritório, de que ia almoçar fora (ao contrário dos restantes 99% dos dias em que trago víveres que vou ingerindo bem repartidos ao longo das horas do dia), me retribuem ironicamente que devo estar a ganhar bem, replico eu com prontidão que esta noite rendeu bem.

Ai tivesse eu o estômago, e o arcaboiço (e outras partes do corpo e da alma) de uma outra Maria, a Maria Porto, (uma miúda do Porto, inteligente e sensível, que para enfrentar as dificuldades da vida enveredou por um caminho muito provavelmente doloroso e de compensação subjectiva e duvidosa) e não me debateria certamente com muitos dos meus actuais problemas mundanos.

Resta-me o hipotético conforto de pensar que muitos e maiores outros me atormentariam. Mas não estou certa. É tudo uma questão de estômago e esse sabemos nós, é um dos orgãos que mais facilmente se habitua a novos costumes. Esse, e outros. O pior mesmo é a alma.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Relatividade ou Dimensão dos problemas ou Outra Coisa Qualquer

Quando a meio da manhã saí do escritório a correr e disse que ia ali num instante assaltar um banco, ninguém estranhou pois certamente não me levaram a sério. Limitei-me a acrescentar que se ouvissem a polícia, houvesse bulício na rua e eu não voltasse, era porque tinha sido apanhada. Passados alguns minutos voltei e a normalidade dentro do escritório tinha-se mantido inalterada.

Aprendi não agora, mas já há muito tempo que dizer a verdade é a melhor forma de fazer os outros pensarem que estamos a mentir. E certamente o inverso também se passa, embora não seja prática que aplique. Pela vulgaridade da mentira e raridade da verdade, passou esta última a ser julgada como sendo mentira. Enquanto reflicto nestas e noutras verdades e mentiras, volto a sentar-me à secretária e retomo o trabalho.



Fim de dia:

Não. Não estou cansada nem triste. Nem tensa, apreensiva ou preocupada com os meus problemazinhos. Nem tenho perdido noites de sono nem tido pesadelos, nem aliás, tenho sequer com que me apoquentar, nem lamúrias ou queixumes para contar, por não correr ou por estar conscientemente a engordar, ou por outra coisa qualquer.

Hoje a mãe do João foi operada para lhe retirarem um tumor. Mais um. Maligno. Desta vez na cabeça. A senhora que mal me conhecendo há vinte anos atrás, quando me apareceu um pequeno nódulo numa mama e me queriam operar apesar de não ser maligno, ela já por demais familiarizada com o meio, me pegou num braço e moveu céu e terra e correndo os corredores do Hospital de Santa Maria abriu portas a seguir a portas até que eu fosse observada por quem ela considerava competente, a Dr.ª Emília. E fui. E não fui operada, e ainda hoje vivo com o tal nódulo que só um amante mais atento e sensível notará, atravessando uma gravidez, parto e amamentação, sem alterações ou quaisquer outros problemas. De uma solidariedade e força rara a mãe do João! Apesar dos meus problemazinhos, estive com ela no pensamento hoje durante boa parte do dia.

A operação já terminou e correu bem. Está em observação ainda. Ela vai sair desta!


E eu? Eu estou óptima! Apenas um pequeno deslize me denunciou: quando no final do dia, na inspecção do carro, depois de já ter executado uma série de ordens (Carregue no travão de pé, puxe o de mão, acenda os mínimos, os médios, os de nevoeiro, apague as luzes, acenda os 4 piscas, agora o direito, agora o esquerdo, acenda isto, apague aquilo, monte o triangulo, mostre-me o colete, os documentos, aperte os cintos, e uma lista que nunca mais acabava…), quando o Inspector me pede para ligar os máximos, a ordem chegou distorcida ao cérebro. Paro. Penso. “Ligar os máximos”. Martelam-me as palavras na cabeça. Significado duvidoso. Rodo os diversos botões nas várias posições na esperança que os máximos se acendam. “Ligar os máximos”. As palavras ecoam martelando os neurónios, e depois de gastar os gestos e as posições de todos os botões, baixo os braços, e olho para o Inspector, admirado ele, e estúpida de facto (estupefacta) eu. Instantes que se prolongam para além do tempo eventualmente considerado aceitável, e entretanto já está ele ao meu lado e de forma mágica liga-me os máximos.

Mal consegui falar: “Desculpe, tive uma branca, bloqueei completamente, desculpe…”

- Não faz mal – responde ele desfazendo um pouco o seu ar austero. Afinal não estava ali para inspeccionar as minhas faculdades, mas sim as do carro.

Saí de lá completamente estúpida. Se há coisa que não faço nada mal é conduzir e a minha relação com o carro, do ponto de pista de utilitário, é melhor do que a de muitos casais, e a de muitos homens-carro. Estamos na perfeição um para o outro. Aliás, uma para a outra, porque ela é também uma menina!

O que me preocupa não é o facto de não ter sabido ligar os máximos, pois nunca dei por mim a conduzir com luzes de nevoeiro quando não o há e se leva com sinais de luzes do veículo que segue atrás de nós, nem de máximos ligados quando vêm viaturas em sentido contrário (se calhar… é por não os saber ligar …ahahahah), como alguns homens, o que me espanta foi o bloqueio que assim tão forte e duradouro (10 segundos?) nunca me tinha assaltado, e o único similar foi há uns 4 anos atrás, enquanto conduzia, e que por talvez milésimos de segundo, não soube para onde ia pois rigorosamente não sabia onde morava (era já vestígios embrionários da Maria Sem Frio Nem Casa, com certeza.. eheheh)

E assim parto para a cama, hoje na certeza de dormir.

E amanhã, já certezas não há, pelo que falar no Corre Praia para domingo seria demasiado cedo e inoportuno.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

2 anos de existência


Faz hoje 2 anos, mais precisamente 731 dias que este blog nasceu.

Passados 731 dias, caminho descalça pelo corredor do Arquivo (morto, onde raramente se vai e as pastas se acumulam cheias de pó, mofo, bolor e teias de aranha), mas ora iluminados por fortes lâmpadas fluorescentes ora por ténues candeias de chama oscilante, e eu vou caminhando e lendo as legendas de cada prateleira. Algumas claras e inequívocas, outras, tenho mesmo de passar o dedo sobre as palavras, escolher um melhor ângulo para fazer a luz incidir e olho-as estupefacta, irreconhecíveis até para mim.

Morte, vida, corridas, dor, lágrimas, sufocos, risos também, esperança morta, esperança renovada, raiva, alegria, o supérfluo e o profundo, amizades, amores e enganos e desenganos, o sagrado e o profano, está tudo arrumado, ali, lado a lado, mais acima ou mais abaixo, mas está tudo lá. Nos Arquivos.

Cheira a mofo em zonas mais escuras, mas logo a malmequeres e sol e mar mais à frente. Rostos e palavras de outros também espreitam por entre folhas soltas. Rostos e palavras que me acompanharam de alguma forma ao longo destes últimos 731 dias. E estão eles também ali no Arquivo.

Por fim chego àquela noite de 14 de Abril de 2006. Noite em que a Maria Sem Frio Nem Casa nasceu.

Retiro a pasta da prateleira e releio o que escrevi nessa noite. Poderia voltar a escrever o mesmo hoje que as palavras não se gastaram nem caíram em desuso, sem sequer temer o enfado da repetição ou do aborrecimento.

Porque o caminho nunca está construído. Vai sendo aberto, desbravado, desviado e inventado à medida que o sonho avança, ao ritmo de bola colorida nas mãos de uma criança que não se cansa de a atirar ao ar para a ver cair e logo a apanhar para de novo a atirar na direcção de um céu azul ou negro estrelado. Sempre.

sábado, 12 de abril de 2008

Exagerada II

Tinha-lhe telefonado e propôs-se a ir almoçar com ela. Prontamente ela responde:

- É melhor não. Estou tesa e não vai dar. Sabes que isto de andar a almoçar fora todos os dias da semana não é para todos, e para mim neste momento… nem um dia sequer. Faz diferença e não posso. Desculpa.

Aquela resposta fora sincera e necessária, pois amigo que não vive em condições muito diferentes das nossas, quando nos sugere um almoço, significa que as despesas são para dividir, salvo raras excepções, que ora paga um, ora paga outro, sem a mesquinhice de tomar nota quem paga, pois quando as pessoas se conhecem o suficiente para saber que não são de se “pendurar”, essa questão nem se põe, e o equilíbrio e a confiança existem.

- Não te preocupes, eu pago. Não me faz diferença. E tenho muito gosto em almoçar contigo. Eu pago. – Insiste ele.

- Mas não te vou poder retribuir tão depressa. É melhor não… - teima ela.

- Vá lá, eu pago. Já há tanto tempo que aí não vou, e quero estar um bocadinho contigo. Quando estiveres melhor, logo me pagas tu.

Aceita, pois amigo é amigo, e a situação estava esclarecida.


Quando no dia combinado se encontram frente a frente à mesa do restaurante, consciente de que ele lhe vai matar a fome, ela olha a ementa e pergunta-lhe:

- Posso escolher e comer o que quiser? És tu que vais pagar…

- Estás parva? Pede à vontade.

Percorreu de novo os olhos pela ementa, e com água na boca e sem saber quando voltaria a comer uma refeição digna desse nome, chamou o empregado e pediu:

- É um prato de cada!

E valendo-se da sua descomunal capacidade estomacal desenvolvida nas crises de compulsão alimentar, comeu até não poder mais.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Exagerada (?)



Devido à minha personalidade aliada a circunstâncias, dou por mim muitas vezes a viver no extremo, vulgo oito ou oitenta. Nos mais variados aspectos da vida. Pode ser mau mas também pode ser bom se isso significar uma vivência intensa das situações, mesmo nas más, das quais se pode sempre tirar alguma coisa positiva, nem que seja apenas uma aprendizagem constante, desde que depois essa aprendizagem seja usada para evitar os mesmos erros e as mesmas (embora outras) situações desfavoráveis, o que nem sempre me acontece, mas é que o facto de ser humana me impede de ser perfeita, e faz-me estar de forma quase permanente bem distante dessa graça de estado.

Por isso, nos últimos dias:

1) Não tenho mexido uma palha (Exercícios Físicos dignos desse nome);

2) Não tenho tido quaisquer cuidados alimentares (como o que me vem parar à mão, porque a vida não está para esquisitices, e até um resto de lasanha, bacalhau com natas ou croquetes, no prato da minha filha é comida que não se pode desperdiçar);

3) Não me tenho pesado (temo que a balança não resista - ver boneco aí em cima) nem tido qualquer tentativa de controlo/vigilância de peso.


Apesar desta última alínea e continuar a desejar ter 50 quilos, e tendo por base as duas anteriores, posso facilmente adivinhar o peso com que devo estar. Deve ser qualquer coisa não muito longe disto:



Numa tentativa de remediar um pouco os estragos feitos consciente e deliberadamente, e talvez no seguimento do último "post", ontem à noite o jantar foi… PEIXE COZIDO. E estava muitíssimo bom.

Até amanhã

quarta-feira, 9 de abril de 2008

“Um dia de cada vez” ou “Dias difíceis com humor”



Hoje é dia 9 de Abril de 2008. Dia 9 que é de Abril mas que podia ser de qualquer outro mês.

Chega a casa cansada (como todos os felizardos dos portugueses que têm um trabalho e um ordenado ao fim do mês, mas nem por isso deixa de estar cansada, é um direito seu e ela não vai prescindir dele), despe o casaco, troca as botas pelos chinelos de “trazer por casa”, arruma a roupa e abre o frigorífico vazio na esperança de um milagre. Um pacote de ervilhas esquecido e já aberto na última gaveta do congelador faz a sua alegria. Vai contando os bagos de ervilhas espalhados pela gaveta e enquanto os reagrupa sorri feliz pois apesar de serem apenas bagos, juntando pacientemente um a um, vai-se formando um monte enorme, verde, e depois de os juntar e os voltar a dividir pelos próximos dias, constata feliz que ainda farão muitas salutares e alegres refeições.
Olha para o peixe no aquário, irrequieto como se a implorar comida ele também, e a reclamar companhia depois de um dia só. A água precisa ser mudada.

“Queres casa lavada não é? Vou já tratar de ti.” – fala para o bicho como se este a entendesse. Com a rede muda-o para um recipiente, despeja a água do aquário, lava-o, assim como as pedras que não são pedras e volta a fazer a operação inversa.

O bicho parece contente na casa lavada. Nada de um lado para o outro e parece agora contente. Ou será assustado? Não importa. Ela decidiu que ele está contente. Persegue-o com o olhar e num ímpeto malicioso assalta-lhe a ideia se teria ainda de esperar muito até ele ter tamanho suficiente para ser cozinhado.

A vida é magnífica. Pelo menos enquanto houver um pacote de ervilhas aberto e esquecido no congelador, um peixe no aquário, e saúde e paz e trabalho e pão e amor e amigos e corridas e internet e sorrisos e montanhas e caminhos e praias e livros e rios e céu e estrelas e mar e sol e chuva e vento e árvores e folhas e papel e letras e tinta e caneta e…e… eu hoje tenho isso tudo e muito mais!

terça-feira, 8 de abril de 2008

A falta que um homem faz

Banheira entupida, água a brotar no ralo como se de nascente se tratasse. Lavatório usado para lavagem de dentuças e eis que, caso raramente visto, brota da banheira água em galões acompanhada do som próprio de glu glu glu.

Fazendo pressão no ralo, sai agora a água por trás do bidé. Xiiiiiii…. Em fio desta vez. Tapete ensopado, avança a água pelo chão como mancha negra ameaçadora que encharca chinelos e peúgas e de repente dou por mim de calças arregaçadas como se de pescador me tratasse, e esfregona e balde numa luta inglória de conter o riacho que nasce na minha casa de banho.

Contida a enxurrada, joelhos no chão, luto agora contra o sifão que parece colado ao chão. Socorro-me da caixa de ferramentas que contem objectos de formas absolutamente estranhas e utilidade duvidosa.

Espátula inserida na ranhura do sifão e forço, rodando o objecto. Nada acontece e escapa-me a espátula, arranhando-me a mão. "Au!" – solto a exclamação e a espátula que cai estrondosa no chão. Chave, chavinhas e chavetas, tudo me parece inútil. Inglesas, francesas, philips e simples, de fendas de vários tamanhos e feitios. E o raio do sifão não se mexe.

Chave de fendas e martelo numa das extremidades da ranhura. Hum… para a direita ou para a esquerda? Para que raio de lado é que se abre isto? E se fecha? Hum, tudo é tão relativo. Muno-me da intuição (pouco feminina) e martelo para o lado que me parece dar mais jeito. O sifão não se move. Insisto. Não posso ganhar muito balanço com o martelo senão ainda corro o risco de partir a sanita!

Mais uma martelada e o sifão parece mexer-se. Uau! Estou no caminho certo. Mas agora é melhor bater do outro lado senão ainda se parte o bidé. Mais um toque, mais um movimento do sifão, e assim vou rodando as marteladas, até me escapar o martelo, pois claro, a cabeça do cabo da chave de fendas parece-me pequena e os dedos estão ali mesmo ao lado.

Depois de uma luta suada e dorida e ferida, lá consigo abrir o sifão, e a operação foi concluída com êxito (desentupimento concluído) sinto-me extremamente bem, mas é nestas alturas que mais sinto falta da porra de um homem, e o preço de viver sozinha com uma criança.

Um gajo faz falta. Para trabalhos de canalizações, electricidade, electrónica, deslocação de móveis e afins.

Ufa! Desta, saí-me bem (com algum custo é verdade) mas nem sempre é assim. Mal me levanto, gloriosa e vitoriosa a deixar correr água sem esta voltar para trás, como se isso fosse uma coisa absolutamente fantástica e magnífica (é das tais coisas... que só valorizamos quando nos faltam), e ouço lá dentro:

- Mãe!!!!! O candeeiro fez um barulho e a luz apagou-se!!!!

quinta-feira, 3 de abril de 2008


Seguem-lhe o percurso em silêncio, ávidos de sensações e emoções. Buscam alegria, rio, choro e dor alheia. Sabem mais do que lhes devia ser permitido e menos do que seria necessário.

Amanhã, quando a necessidade de partilha, e a solidão e o silêncio forem mais fortes que ela ao ponto de a esmagarem, ela voltará a escrever.

Mas hoje não. Parou de escrever, virou a página e pousou a caneta sobre o branco imaculado.