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sábado, 27 de fevereiro de 2016

"Conta-se meia dúzia delas" ou "Campeona por quatro horas e dezoito minutos"

21 de Fevereiro de 2016

MARATONA DE SEVILHA

E conta-se meia dúzia delas. Sim, acabei de completar a minha 6ª Maratona! Foi em Sevilha e foi extraordinário! Não a marca, que foi a 2ª pior que registei (4h18m38s), mas sim toda a experiência muito envolvente e intensa nestes dois dias à volta da Maratona de Sevilha.



Palavras:


"E porque é que não vens com a gente?", sugere o Luís com naturalidade. Abriu-se nesse instante, sem ninguém dar por ela, uma fresta de luz no céu escuro num desses treinos madrugadores que tenho feito nos últimos tempos. Sevilha já estivera na minha agenda há uns anos atrás, com inscrição feita e estadia reservada mas quis a vida com a minha permissão e contributo, que não fosse, não treinasse, me lesionasse, me desmotivasse e desistisse do plano. E agora ali estava de novo a oportunidade, a cair-me aos pés, de mão beijada. E agarrei-a! Eu iria correr a Maratona de Sevilha! E não estava sozinha.

Tendo corrido a Maratona do Porto em Novembro, não estava propriamente a partir da estaca zero em termos de treinos e preparação, mas o corpo cobrava as cargas quer da preparação dessa Maratona quer de Trails e outros treinos a torto e a direito, sem rei nem roque, poucas regras e de bom senso duvidoso. 

Com altos e baixos, cheguei ao dia a acreditar que seria possível. Correr a Maratona de Sevilha!

Com amigos Runners da Frente Ribeirinha da Póvoa de Santa Iria, juntámo-nos a companheiros da Margem Sul (*) ainda não eram cinco da manhã e a viagem de autocarro fez-se de forma bastante agradável.

Chegámos ao hotel e vamos à Feira para levantar dorsais e comer. Um feira enorme, com vários stands de vários produtos ligados à Corrida e de muitas outras Maratonas. E se na Maratona do Porto a acontecer em Novembro já muitos de nós estão inscritos, muitas outras há a fazer-nos sonhar. Aprovisionámos uma boa refeição à base de massa especial Maratonista e depois é tempo de visitar a cidade. Aí, valeu-nos o nosso Luís, que velava para que tudo nos corresse bem, e correu melhor que esperávamos e foi nosso guia e interprete e apoio incondicional. Especialmente grata a este rapaz singular!

Sevilha é uma cidade linda, onde estes Runners da Frente Ribeirinha da Póvoa de Santa Iria se passearam, deslumbraram, riram, comeram, divertiram e fortaleceram elos na véspera da Maratona.Para além de cansarem as pernas, claro! Mas a mente saiu fortalecida!

Seis da manhã e toma-se o pequeno almoço no hotel e quando damos por nós já estamos no Estádio. Nervoso miudinho. Há dúvidas e medos, mas também alegria, muita alegria e borboletas, muitas borboletas na barriga, a esvoaçarem com suavidade roçando o âmago da alma, que eu bem as sinto. Estão comigo a Laida e a Paula Cristina. Será a 2ª Maratona delas e sei que lhes vai correr bem. A Laida faria bem abaixo das 4 horas, eram as previsões (o que veio a acontecer) e para a Paulinha acreditava que estaria mais ou menos como eu, 4 horas e tal. (o que veio também a acontecer, apenas cheguei à sua frente 2 minutos, o tempo exacto que ela levou numa ida à casa de banho e em que eu segui para a frente), pelo que fizemos praticamente a mesma prova. 

Partimos juntas e a Laida avança como era natural. Eu e a Paula seguimos juntas no meio de um mar de gente. Bem de perto o balão das 4h15m. Conversamos e corremos em ritmo constante e confortável. Há muito apoio, muitos Portugueses a correr e a apoiar também (onde estão quando corremos em Portugal?). Talvez por volta por km 15 parámos de falar. A Paula teme ir rápido demais. Eu acredito que vou no meu ritmo certo para fazer a distância. Mas a Paula vai com alguns distúrbios intestinais e a mim começam a espreitar algumas dúvidas se me conseguiria manter assim. Afinal não tinha feito as sessões longas suficientes, eu sabia. Caladas alguns minutos, para ao km 20 deixar a Paula na casa de banho e a partir daí sigo sem ela. E agora? Estou só. O ritmo vai-se mantendo. Mas sinto a falta da Paula. A sua força admirável e gigantesca num corpo de metro e meio. E penso na Laida e sei que se vai a sair bem. E eu? Eu vacilo. O corpo está bem, sem dores, mas há algum esforço para manter o ritmo. E a cabeça? Ah, hoje eu não te vou deixar falhar "cabrona"! - entoo mentalmente em sotaque espanhol para rimar com os muitos "Campeona"  que ouvi a prova toda. E eu não estou só. Recorro à velha mágica de dedicar um quilometro a cada pessoa importante para mim. E penso! E passo a passo, atinjo mais um quilometro, e mais outro e mais outro. Por vezes há intrusos a infiltrarem-se no pensamento. Negativos até, alguns. Bano-os! Só quero aqui quem me quer bem! E ainda são muitos! Mãe! Pai! Mafalda! Fernando! O mano! Amigos, amigos, amigos Runners, outros e outros, e outros ainda! Um desfilar de gente importante! Importante para mim! Para quem sou também importante. O porquê de estar aqui! Aqui, neste planeta, nesta vida! A importância das coisas! Afloram-me emoções arrumadas há muito. Certas passagens mentais apertam-me a garganta e quase choro. Emociono-me! Mas envolve-me a Vida. O ânimo espanhol é constante. Contagia-me! Mas as pernas e o esforço é meu! As bandas a tocar pelo caminho num rock espanhol nunca ouvido e faço questão de abrandar e os aplaudir! Olhos brilhantes, gestos simples como um tocar de mão, uma palavra, um senhor de idade avançada a fotografar-nos e a sorrir-nos. Era como se fosse o meu pai! Que não estava ali fisicamente mas esteve comigo o tempo todo! E a minha filha?Teria ela orgulho em mim? Por ser uma "campeona" por 4 horas e 18 minutos? Não! Não, isto não é nada! Nada! A Vida é a nossa única Maratona onde realmente mostramos o que valemos e somos!  Mas correr é tão bom! Sorrio o tempo quase todo! E gosto, gosto desta turbulência de emoções, deste agitar de sentimentos, desta forma de me sentir viva! De transpor tudo isto para o resto do dia, da semana, para o resto da minha vida! E estou já muito perto do Estádio, onde está instalada a meta. Sevilha é linda! Tantos monumentos, que cidade bonita, penso. E corro, corro constante e feliz! Emoções à flor da pele e entro no estádio. Novo aperto na garganta, mas é alegria, alegria prestes a manifestar-se em lágrimas, contidas à última hora. Passo pelo Nuno que caminha para a meta com a filhota. Bonito. Isto é a Maratona! Sorrio-lhes e avanço no meu passo. Retiro o lenço com a nossa bandeira e que levei à cintura o tempo todo e ergo-o! E nisto uma outra rapariga, Portuguesa, aproxima-se por trás e pega no lenço junto comigo e erguemo-lo no ar, cortando a meta juntas, sem nos conhecermos de lado nenhum, mas numa partilha bonita. O sorriso vai de orelha a orelha e as emoções estão ao rubro. Isto é a Maratona! Maratona é isto! Maratona é Vida! 

Desligo o cronómetro, recebo a medalha que me colocam ao peito, e embrulho-me no plástico que me dão. Caminho e alongo e estou ligeiramente mal disposta. Caminho e alongo, e já está ali a Paulinha! Que bom! 

Depois, bem...depois foi gerir a ligeira indisposição física, que só passou depois do banho, pelo que suspeito que se devesse ao aroma que eu própria emanava embrulhada no plástico, foi reencontrar a Laida, todos os "nossos" que já tinham acabado e voltar ao hotel.

E foi este, especialmente porque o partilhei com quem mais amo, um fim de semana muito, muito feliz!

E a Maratona de Sevilha é uma Maratona que nos leva ao colo até à meta! Mas temos de ter uns treininhos, convém! É uma prova exemplar! Muitos e bons abastecimentos, muita animação, e fiquei apaixonada e fui muito feliz em Sevilha e porque devemos sempre voltar onde fomos felizes, hei-de lá voltar um dia, mas antes, hei-de ser feliz em muitos mais locais. E estuda-se já a próxima Maratona além fronteiras, já que a do Porto é sagrada para mim!

E esta foi a minha epopeia Sevilha 2016, e eu simplesmente, amei! Obrigada a todos que me "levaram" lá!

A minha Maratona "passo a passo" - tempos e posições, ver aqui


(*) Obrigada Tó Amieiro, que organizaste esta viagem. Esteve tudo muito bem, a facilitar-nos a logísitica contribuindo de forma fundamental para este fim de semana magnífico.

Imagens:


A viagem na véspera:


Sevilha! A Feira da Maratona:




 No stand da Maratona do Porto:





Almoço na Feira: Pasta Party
Passeio pela cidade:










Ao final do dia há que abastecer de novo! Atestar o o depósito, afinal tínhamos uma Maratona pela frente no dia seguinte:




O dia da Maratona

O pequeno almoço no Hotel:

Na zona da Partida, com a malta do nosso autocarro:

Os Runners da Frente Ribeirinha da Póvoa de Santa Iria:


Com os Correr Lisboa:

Na Partida:

 A Maratona:





Ali pelo Km 36:








E depois da Meta cortada:




No autocarro de regresso ao hotel:


Encostada ao vidro, a pensar se haveria de vomitar ou não... (nada de grave, ligeira indisposição que depressa passou)

A medalha (esta é a do Ruben, mas eu tenho uma igual):


terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

“Olha os olhinhos deles…” ou "Treinar no Monte Serves às cinco e meia da manhã"



“Olha os olhinhos deles…” – Não é a coisa mais tranquilizadora de se ouvir a meio do caminho em direcção ao alto do Monte Serves, ainda o relógio caminhava para as seis da manhã, sob um céu escuro como breu, carregado de nuvens  que escondiam a enorme lua cheia resplandecente que eles avistaram na noite de véspera, poucas horas antes deste treino portanto, e que prometia um treino totalmente iluminado pelo luar. Pelo contrário, sempre que ela, no fim do grupo, se voltava para trás com a luz ténue do seu frontal, só o negro a envolvia e as luzes das vilas e cidades ao longe davam alguma luz ao cenário de fundo como tela num palco teatral.

Em oposição, correndo e dirigindo o foco do frontal sobre as pedras e a terra, avançando cautelosamente passo a passo, o brilho da geada sobre a vegetação molhada, brilhante como esmeraldas vestidas de diamante, encanta e cativa os cinco participantes de hoje.

Mas voltemos aos “olhinhos”. Ela até sabe o que há ali, naquela zona do percurso. Mas gosta de abrir as portas ao fantástico e sentir a magia e a energia do Monte, que confia segredos a quem o ama e respeita, como amante fogoso que repouso a cabeça sobre o peito do outro depois de apaziguar as ânsias do corpo e da alma.

Os cinco frontais elevam-se e focam o local indicado pelo amigo. E então, no meio da penumbra, uma mancha arredondada, ligeiramente mais clara que a noite, subtil, mas suficiente para denunciar os seus contornos em forma de nuvem de desenho animado, a transmitir macieza e fofura, a sugerir algodão doce ou lã macia, pintura a carvão por mão pura e ingénua infantil, preenchida pelo escuro da noite e salpicada por dezenas de pontinhos amarelos imóveis e hipnotizantes, surge para encanto dos cinco. Dela pelo menos, que ela é essa amante do Monte, eterna sonhadora.

Depois de tal contemplação(*), prosseguem o treino, atingindo o topo do Monte, e descem, agora com a Lua e o Sol a romper as nuvens, frente a frente, em lados opostos do céu, em conversa franca, aberta e desafiadora, como se quer dos Homens.

E chegam ao ponto de partida, cá em baixo na vila. Percorreram 10 Km em 1h19m, e acabaram felizes e contentes, soltos e iluminados, para fazerem deste dia, um bom dia, que já começou assim, bem!

(*) um rebanho de ovelhas, reunidas no seu curral ao ar livre

sábado, 6 de fevereiro de 2016

"Sete Ovelinhas tresmalhadas no Monte" ou "O treino de hoje" - 5 de Fevereiro 2016

Monte Serves, Vialonga, 5 de Fevereiro de 2016


Sete ovelhas pastavam num prado verde, resplandecente, sob um Sol brilhante e quente num céu azul decorado com algumas nuvens alvo branco, numa calmaria estonteante só interrompida por um ou outro balido acompanhado pelo som do chocalho e pelo chilrear dos passarinhos.

Este seria o cenário idílico propício a uma bela e encantadora história que poderia contar.

Mas não! As nossas ovelhas saíram dos seus currais antes das cinco da manhã e reuniram-se no vale noite escura ainda.Juntas saíram para o campo sob um céu negro salpicado de brilhantes estrelas e uma Lua sorridente.

Algumas correm desenfreadas tal é a sede de Monte, causada por ausências forçadas e consequente saudade e necessidade urgente. Outras seguem aquelas e sem saberem muito bem o caminho, aventuram-se Monte acima.

Falta-lhes o pastor e o fiel canino, que as guiaria e manteria juntas pelo caminho certo, sem as perder de vista. Mas não. Elas vão sós e vão agitadas. Umas avançam destemidas, outras recuam e seguem por caminhos distintos e já não se encontram. A que melhor poderia fazer de pastor, acompanha a ovelhita mais traquina, a que saltita com ligeireza, bale como nenhuma outra, escolhe caminhos e envereda por trilhos ao acaso. A outra, a que poderia melhor guiar, acompanha-a pois sabe da inconsciência desta ao atirar-se assim noite dentro e cuidadosa e protectora, acompanha-a sem um balido.

Esquecidas, outras cá atrás, duas delas completamente às escuras por problemas técnicos, avançam cautelosas e nervosas. Já não sabem das outras.Há caminhos e bifurcações e já não avistam o resto do rebanho.

Hesitam, balem,cada uma para seu lado, avançam e recuam de novo.

O tempo é especialmente limitado hoje, para a maioria e há protestos velados, e muita agitação por não se perceber o porquê de tantas invenções. Vão avançando às cegas, orientando-se pela bússula interior de cada um e várias são as vezes que não sabem onde se encontram. No Monte, sim, isso é certo, mas gostariam de tomar o caminho mais curto e não sabem por onde ir.

Por fim, depois de quase 11 km percorridos em 1h27m, em que a subida ao Monte Serves foi obrigatória, juntam-se de novo no vale de onde partiram e regressa cada uma delas ao seu curral. E foi assim o treino de hoje: sete ovelhinhas tresmalhadas no meio do Monte.

Treino diferente, mas, muito bom.





terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

"Nada de especial, parece…" ou "O treino de hoje"

Nada de especial, parece…

O equipamento é quase todo preparado de véspera. Desorganizadamente mas as peças  estão todas lá, espalhadas entre os pés da cama, a cómoda e até o móvel de entrada onde fica o elástico para prender as chaves para não irem a chocalhar o caminho todo, o que é, como todos sabemos, muito irritante. E ela não quer de forma nenhuma irritar os companheiros de treino. Gosta deles e sem eles até podia treinar na mesma, apesar de ser pouco provável, mas seria sempre completamente diferente. Nem precisam conversar. Estranhamente, em passo de Corrida a companhia sente-se pela presença do espírito e do corpo do outro, quente, a suar ao nosso lado, mesmo calado que vá. Hoje, ela estava especialmente calada. Vai deliciada com a musicalidade do timbre da pronúncia transmontana. Adora ouvir os planos, a organização e o planeamento dos treinos deste rapaz com vista a altos voos. A provas que ela nem sonha alcançar, mas sonha, sonha baixinho, ainda, com algumas mais modestas. Como se ainda houvesse esperança e há! Ouve-o falar e viaja, alma dentro, busca aquela rapariga que em tempos foi capaz de sonhar alto, de se organizar, de planear, estruturar e trabalhar com vista a um determinado objectivo. Hoje não há qualquer motivação, qualquer objectivo para além da busca incessante de si mesma, de conforto e algum bem-estar físico e mental. É por isso que corre e continua a correr. Gostaria de ter ouvido a aventura no meio dos Abutres do outro rapaz, mas nem sente energia para puxar por ele, nem mesmo quando ele sugere o regresso para o ano e a estreia dela lá, ela confortavelmente fica calada, na sua concha e ouve apenas. Não há energia para mais. Nem para falar nem para programar o que quer que seja. Hoje não. Apenas corre. Nada de especial, parece…

Hoje foram pelos Caminhos de Fátima, terra batida e algumas poças de água e alguma lama. Não chegaram ao Rio Trancão. O tempo disponível não lhes permitiu. Ela tem pena de não ter chegado ao Rio, mas corresse mais depressa, ora essa, temos pena! 

Correram 13 Km e demoraram 1h21m. Um bom treino. Uma excelente alternativa a pensamentos que lhe assomam da alma nos últimos tempos. Mais leve e mais liberta agora, ela toma o seu duche e sai para o trabalho. Melhor, muito melhor. Foi assim o treino de hoje, nada de especial, parece…