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quarta-feira, 28 de março de 2018

Até sempre Rui Pacheco

Nesta noite de 28 de Março de 2018, olho o céu infinito, meio nublado, algumas estrelas e uma lua envergonhada, resplandecente ainda assim, numa beleza repetida, quase banal, tal a aparente falta de originalidade, tantas vezes avistada nestes quase cinquenta anos de vida que levo, mas ainda assim, bela, tão bela como poucos cenários vistos, e pintando no céu este belo cenário, a lua a condizer com as estrelas cintilantes a pulsar com diferentes intensidades mas a mesma magnitude e magia. Manto magnífico a cobrir a vida. A cobrir-nos a nós. Universo sublime e de misterioso encanto sobre nós. 

Caio no fundo. Este foi o dia que desapareceste fisicamente deste mundo. A matéria do teu corpo desaparecida, como a conhecíamos, e transformada em outras formas de vida por certo, muito dentro em breve.

Choco-me. Ainda me choco. Como se morrer não fosse vulgar. Inevitável e natural. Como se fossemos grandes amigos, que não éramos. Eras "apenas" amigo de meus amigos e no teu caso faço jus ao provérbio "Amigo de meu amigo, meu amigo é". 

Assim, conheci-te e cheguei a treinar contigo, "à boleia" de amigos, lá nos juntamos no mesmo grupo, duas ou três vezes apenas. O suficiente para perceber o ser humano simples, humilde e solidário que eras. Apesar das tuas qualidades físicas e atléticas, do exemplo de luta e superação que dás, eras um rapaz simples, educado e sem pretensiosismos.

E a vida foi-te ceifada aos 41 anos. Num segundo. Ainda não acredito verdadeiramente. Não pode ser verdade. A tua companheira, luta ainda numa cama de hospital e sem a conhecer desejo-lhe do fundo do coração uma completa recuperação física, para depois enfrentar e superar a perda irremediável. São partidas da vida que não compreendemos e dificilmente aceitamos.

Seremos nós apenas joguetes nas mãos dos misteriosos caprichos e desígnios do Universo, vulneráveis e frágeis, tão frágeis e vulneráveis, à mercê de meros acasos, de circunstâncias e condições casuais que reunidas ditam o nosso destino na porra desta vida? Quando por aqui andamos, ilusoriamente a acreditar que nós fazemos o nosso próprio caminho? 

A ti, Rui Miguel Pacheco, um até sempre rapaz!

A ti, Vanessa, os meus sinceros votos para saires dessa cama e ainda voltares a ser feliz um dia e nos brindares com o teu bonito sorriso.

À família e amigos chegados, as minhas sentidas condolências.

E entretanto, que a vida seja verdadeira e genuinamente vivida, bem vivida e espremida, ao segundo. Que se vivam as emoções, que se vivam as pessoas, que se semei o amor, a amizade, a alegria e o carinho. Que se viva e se valorize o que realmente importa, o essencial, sim, aquilo que é invisível aos olhos, e que nada fique por viver, como gostaríamos caso já seja demasiado tarde depois. Que se viva hoje cada segundo!  Porque no próximo segundo, podemos ser, nós ou os que nos rodeiam, abruptamente retirados de cena. 






domingo, 18 de março de 2018

Estórias que as casas nos contam


A fábrica e o tempo


O tempo passa de forma assustadoramente rápida. É tudo tão rápido. Rápido. Não deixa de ser irónica a palavra. Quando marca afinal uma paragem no tempo, neste caso. O tempo...Não sei mesmo se não foi ainda ontem que ouvi a sirene da fábrica a assinalar o fim do turno, pelas dezasseis horas naquela tarde cinzenta de Inverno e depois de desmontar a velha pasteleira na qual percorria a fábrica para controlar a salinidade dos tanques que me estavam atribuídos, ouvi quase em simultâneo o uivo do comboio rápido, desta vez demasiado insistente e assustadoramente perto, como se estivesse a competir com a sirene da fábrica, desafiando-a, a querer fazer-se ouvir mais alto, a avisar do perigo e a adivinhar a desgraça. Foi a última vez que aquela mãe e aquele filho o ouviram. O comboio e a sirene da fábrica. Naquela tarde triste e cinzenta de Inverno onde depois os bombeiros tiveram de recolher os pedaços dos corpos, da mulher e do menino, espalhados ao longo da linha por muitos e muitos metros. Até ao dia seguinte.
Assistímos a tudo. Eu e a fábrica. E ainda hoje, em certas tardes cinzentas de Inverno, em que a chuva miúda nos molha o rosto, exactamente pelas dezasseis horas, ainda ouço a sirene da fábrica e o apito do comboio, a urrar em uníssono e a lembrar a tragédia.