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terça-feira, 28 de novembro de 2006

Há um livro para escrever. Inacabado. E para pintar também. Personagens brancas delineadas com um traço grosso a preto, esperam cor.

As palavras são escritas e apagadas consecutivamente. Escrevo de novo sobre o que escrevi, apago, volto a escrever, borro a tinta sobre elas e quase rasgo o papel ao tentar apagar.

Difícil este capítulo. Longo, já sem interesse e difícil da página virar. Escrevo. Insisto e não desisto, apesar dos retrocessos, do apagar com raiva até quase rasgar o papel para depois afinal escrever as mesmas frases, as mesmas lamúrias e ainda os mesmos sonhos.

Para as figuras faltam-me os lápis de cor. Tenho de pedir à minha filha. Na sua imensa mochila da escola, a avaliar pelo peso, de certeza que traz até o arco-íris inteiro e o céu atrás!

De tanto borrão neste papel amarelo, já muito poucos conseguem ler o que lá está escrito e descrito, tantas vezes a história alterou, avançou e recuou. Hoje, muito poucos me ouvem e são ainda menos os que me vêm quando me olham. A paciência esgota-se, e até eu estou farta de mim. Compreendo todos. Os que deixaram de me ouvir e de me ver ao olharem-me. Como os compreendo…

Mas sabe bem saber que ainda sobra alguém, que simplesmente… me vê, quando me olha.Correr? Já nem sei o que isso é. Tenho as vias respiratórias em chagas, o corpo debilitado e a cabeça pesa-me uma tonelada, o que me parecem razões mais que suficientes para não treinar sem ter quaisquer problemas de consciência pesada. O pior vai ser quando melhorar...

sábado, 25 de novembro de 2006



Árvore é uma planta lenhosa de grande porte.

A árvore é composta por raízes, tronco e ramos e folhas. Há muitas espécies de árvores.

No entanto, há características comuns.

Todas têm raízes que as seguram ao solo e através delas as árvores sorvem alimento e se mantêm vivas.

E um tronco ou caule, que serve fundamentalmente para suportar as folhas, flores e frutos e para transportar alimento desde as raízes para os órgãos aéreos da planta, o que lhe garante a subsistência.

As árvores constituindo florestas e bosques, desde sempre que apresentam uma grande ligação com o nosso imaginário, como morada de fadas e de duendes, de bestas imaginárias e reais, local de esconderijos e fantasmas, de criminosos e de corpos enterrados, resumindo, um local mágico de grande mistério e singular beleza.

Para muitos povos, culturas e religiões, a árvore foi no passado um símbolo místico, que representava a capacidade de renascer.

Hoje, eu gostaria de ser árvore para ter raízes e através delas me alimentar, e dar flor e fruto e dançar no céu, mas também borboleta e pássaro, para me transformar e para voar.

Mas eu sou só eu. Não tenho corrido nem voado.

Claro que já engordei de novo! Sem correr, e sem rédeas nos cavalos, tenho comido mais do que o necessário, e claro, a roupa volta a apertar. É impressionante a velocidade com que recupero peso. Pareço essa árvore inchada aí em baixo.Mas para além do resto, tenho andado com o aparelho respiratório afectado, pelo que me sinto incapaz de correr, mesmo quando posso, o que neste momento me serve perfeitamente de desculpa.

Por aqui ando eu, a fingir que sou árvore, pássaro e borboleta. E às vezes, por momentos, até parece mesmo que sou, e sou feliz nessa hora.

sábado, 18 de novembro de 2006

As Palavras e os Homens

Houve tempos em que me apaixonei por palavras e nelas acreditava. Outros tempos houve em que me apaixonei por homens e neles acreditei.

Hoje nem as primeiras nem os segundos me fazem apaixonar ou acreditar. Tão pouco as mulheres se tornaram alvo dessa entrega.

As palavras como os homens podem-nos embalar e seduzir. Fazer-nos sorrir ou chorar. Comover-nos ou enraivecer-nos. Alegrar-nos ou entristecer-nos.

Tempos houveram em que me apaixonei por palavras. E depois confundi as palavras com os homens. E depois descobri que há muitos homens de muitas palavras, mas muito poucos homens de palavra, e que “palavra de Homem” é na maior parte dos casos um logro total. Muito poucos se despem. Habituamo-nos a ver o superficial, o embrulho, as roupas e o corpo. E esquecemos que somos tudo menos isso. A essência dificilmente se alcançará se nos limitarmos a julgar e catalogar baseados nos acessórios, no superficial.

Hoje já não me deixo enganar (pelo menos com a mesma facilidade de há uns anos atrás) e as palavras e os homens são analisados num autêntico laboratório improvisado para o propósito, antes de assimilados e dados como factos efectivos e reais. O que também me faz correr o risco de não acreditar em nada e em ninguém e estar condenada para sempre à solidão, mas dá-me também a segurança e a garantia de não ser atraiçoada e enganada.

Hoje, um bom livro cheio de palavras ainda me consegue encantar. Vou com elas (as palavras) para a cama, deixo-me embalar e seduzir, e saboreio cada instante com volúpia divinal e com elas (as palavras) me esqueço do meu e do resto do universo e sou feliz por momentos, que poderão ou não perdurar no tempo de forma mais ou menos intensa e crucial. Já tem acontecido.

A par das palavras, estão os homens. Deito-me com eles, deixo-me embalar e saboreio cada instante com volúpia divinal, e com eles me esqueço do meu e do resto do universo e sou feliz por momentos, que poderão ou não perdurar no tempo de forma mais ou menos intensa e crucial. Raramente acontece.

Mais fácil perdurar no tempo as palavras que os homens. Elas pelo menos raramente me traem. Também é certo que as escolho para minha companhia, Já em relação aos homens, de certo, as escolhas não têm sido as mais inteligentes. E não me venham falar do coração, que deverá prevalecer sobre a razão.

Não é de todo inteligente ou lógico sequer, gostarmos (o que é isso, gostar?) de quem nos faz mal. Às palavras, servindo-me delas para um noite de insónia, de seguida abandono-as. Começo a fazer o mesmo com os homens. Sofre-se muito menos.

O preço que se paga é o da solidão. Mas de que vale a companhia que nos esfaqueia na primeira oportunidade? Ou pior, que procura a oportunidade para nos esfaquear? De que serve estar sozinho acompanhado? De que serve dormir com o inimigo? Ao menos às palavras, quando nos agridem ou maltratam, podemos sempre virar a página definitivamente. Ou até arrancá-la do livro e fazê-la desaparecer para sempre da nossa vida. Creio que aos homens também. Mas há imensos factores que tornam essa corajosa atitude difícil de tomar. E talvez até por motivos inconscientes, a adiamos até ao infinito talvez.

Tenho um amigo (dos poucos que assim considero) que acha que eu deva procurar ajuda psiquiátrica. Tens razão AC, mas antes disso há que fazer o que está ao meu alcance:

As atitudes que tomo e que me fazem nitidamente mal e eu tenho plena consciência disso, vou evitar ao máximo de as ter. Diz o AC: “mas se tiveres essa ajuda profissional, podes muito melhor controlar essas tuas atitudes”.

É verdade o que ele diz. Eu, é que ainda não sou corajosa o suficiente.

Corrida, diz aí em cima que isto é um blog sobre corrida? Ai pois é! É que as pessoas que correm são e têm exactamente o mesmo que as outras que não correm. E para além disso tudo, existe ainda na vida delas a Corrida. Por essa razão está isso tudo aí escrito em cima. De seguida passo a transmitir que não fiz qualquer tipo de exercício físico desde domingo passado na Meia da Nazaré. Estou a descansar…E preciso de inventar um objectivo, que neste momento não enxergo. S. Silvestre do Porto? Seria com certeza uma boa opção mas usar uma fatia demasiada grossa do meu orçamento nesse objectivo, parece-me exagerada para satisfazer esse desejo, o que acaba por tornar a coisa praticamente inviável. São momentos na vida das pessoas e eu até nem me posso queixar muito. Ainda não fui despedida à semelhança de colegas de vários anos.

É que isto de andar a correr país para correr, não é para qualquer um. Por motivos económicos e também familiares e profissionais (só para salientar alguns) isto… não é para qualquer um.

segunda-feira, 13 de novembro de 2006

Meia Maratona da Nazaré

A Sombra

Não sou mais que uma sombra.

Faço a Meia Maratona e pelo caminho cruzamo-nos com amigos que saudamos com gosto e que assim insistimos em chamar para nos iludirmos que os temos.

Excepção feita ao meu amigo António Pereira, que não por casualidade, me acompanha mais uma vez, do princípio ao fim da prova. Da partida à chegada. Obrigada António!

A prova inicia-se com a alegria vulgar, pois já vulgar é a alegria, não por ser frequente mas por ser ineficaz um segundo depois.

Os dois primeiros terços da prova são feitos com travões metidos (obrigada outra vez António), e depois como me sinto razoavelmente bem, deixo de ir tão devagar. Ai tenho a ilusória mas vertiginosa sensação de ultrapassar dezenas de atletas que parece que estão parados. Bem, ainda assim, apesar da nossa estonteante velocidade, houve outros que nos passaram…

Apanho a Estela dos Flecha. Pergunto-lhe pelo António Pinho que ainda não se tinha deixado ver:

- O Pinho está para a frente ou para trás?
- Está para a frente – diz ela – se esticares um bocadinho ainda o apanhas.

Esticar… Não estava assim tão bem para esticar e ainda faltavam uns sete ou oito quilómetros. Mas estiquei até apanhar o Pinho!

A dois passos dele (que ainda me foi difícil alcançar depois de o avistar), tenho o prazer de lhe dizer:

- Sr. António Pinho! É chamado à cabine de som! Onde pensa que vai?!

Acho que ficou contente de me ver e instiga-me a ir para a frente. Mas o passo dele era bom e não ia arriscar passá-lo para depois ser passada dentro de poucos quilómetros ou mesmo metros. Vamos com ele. A passada é boa e viva. “Tomara a mim mantê-la”, penso. O António Pereira vai à vontade, mas eu e Pinho temos quebras alternadamente, mas houve um esforço (de ambos) e nunca descolamos. Seguimos os três.

Talvez a uns quatro quilómetros da meta, o sol está precisamente nas nossas costas pelo que corremos com a nossa sombra à frente. Ali vão. Três indivíduos, três sombras.

Não desgosto da minha sombra. Talvez pelo ângulo do sol, a minha sombra não é tão gorda quanto eu. E dou por mim a gostar da minha sombra. “Já é um começo”, penso, mas depois comparo com as sombras deles. A do António Pereira mais à frente, como se ele fosse mais alto e não é), e a do Pinho por vezes a baixar-se no alcatrão como que a deixar-se ficar . Depois voltava a alinhar a sombra com a minha.

O Porto da Nazaré ao nosso lado, O mar ao nosso lado. E a sombra à frente, sempre uns passos à nossa frente. Inalcançável. Quando me calo depois de tentar puxar pelo Pinho mais uma vez, fingindo estar eu muito bem, olho de novo para a sombra e constato que só eu sou sombra. Eles são reais. Eu sou só uma sombra do que já fui e do que poderia ser.

Terá o sol de mudar de posição? (Bem que posso esperar, não é?) Ou deverei eu posicionar-me de forma diferente? Parece-me que a segunda opção é a mais inteligente.


Chegamos à meta os três juntos! 1h58m00s! Mais 10 minutos que no ano passado... Mas gostei! E muito!

sexta-feira, 10 de novembro de 2006

"Perguntei às violetas
Se não tinham coração
Se o tinham, porque escondidas
Na folhagem sempre estão?

Responderam-me a chorar,
Com voz de quem muito amou:
Sabeis que dor os desfez,
Ou que traição os gelou
?"











"Há sonhos que ao enterrar-se
Levam dentro do caixão,
Bocados da nossa alma.
Pedaços do coração!


Ai tirem-me o coração
Que o tenho todo desfeito!
Cada pedaço um punhal
Que trago dentro do peito."
















"COVEIROS, SOMBRIOS, DESGRENHADOS,
FAZEI-ME DEPRESSA A COVA,
QUERO ENTERRAR MINHA DOR
QUERO ENTERRAR-ME ASSIM NOVA

COVEIROS, SÓ O CORPO É NOVO,
QUE HÁ POUCOS ANOS NASCEU;
FAZEI-ME DEPRESSA A COVA
QUE A MINHA ALMA MORREU."




Florbela Espanca

1894: A 8 de Dezembro, nasce Florbela Espanca em Vila Viçosa.
1930: Em Matosinhos, Florbela põe fim à vida


"Examina-se diante do espelho e dizendo-se "grosseira e feia, grotesca e miserável" põe em dúvida se saberia fazer versos. Colocando-nos uma vez mais em face das contradições que a atormentam permanentemente e que exprime numa outra frase: "Viver é não saber que se vive".
…/…
Poucos dias antes de morrer interroga-se "que importa o que está para além?" Responde, repetindo o que diz no soneto A um moribundo: seja o que for será melhor que o mundo e que a vida.
A morte anunciada ao longo da sua escrita ocorrerá pouco depois. Põe fim à vida em 8 de Dezembro de 1930, dia em que faz trinta e seis anos, em Matosinhos, onde vive. Aí é enterrada sendo mais tarde trasladada para a sua terra natal.
Com a morte de Florbela, morre, não talvez a maior poetisa do seu tempo, mas uma das que mais agudamente e sem temor exprimiu as grandes contradições da sensibilidade feminina nas suas paixões. Ao mesmo tempo, com uma certa ingenuidade, impregnada das verdades simples ou complexas do que é a mulher, na convergência da cultura e do ser.
Que conduz Florbela para a morte?
Fernanda de Castro, em escrito citado por Carlos Sombrio, sintetiza a resposta: "Porque nunca soube pôr de acordo o seu corpo, o seu espírito e a sua alma".


Ver artigo completo em: http://www.vidaslusofonas.pt/florbela_espanca.htm (Vale a pena)

por ROLANDO GALVÃO

Nota: Se corri estes dias? É óbvio que não. Tenho vindo a caminhar, a pisar e repisar merda e lama. Patinho, e chapinho no estrume. Inevitavelmente aconteceu: Caí. Perdi o controlo e comi mais nesta semana do que nos últimos dois meses. Comida em quantidade e qualidade industrial que dá para alimentar um hipopótamo durante meses. Porque o fiz? É apenas mais uma forma de me destruir. Porque o faço? Não tenho bem a certeza. Porque o escrevo publicamente? Porque enquanto não me puder dar ao luxo de pagar a um "Bom" profissional de saúde mental, e tudo o que isso significa (horas roubadas ao emprego e/ou à filha, e a coragem de tomar uma decisão inteligente) o meu blog é o meu psicanalista, que me ouve e me obriga a ouvir-me. O que pensam de mim? Estou-me nas tintas!

Domingo, Nazaré? Já não sei porque vou nem se valerá a pena...

terça-feira, 7 de novembro de 2006


Desalento

Um velho problema. Não me conseguir amar. A insistência em me maltratar. A incapacidade de dar um passo, e se o dou trémula, a seguir recuo, medrosa, cobarde. Cobardia maior que a dos suicidas. Sem a cobardia suficiente para sair da vida, mas também sem a coragem suficiente para me ir embora num segundo, sem força para mudar, vou andando indiferente, definhando, anulando-me, maltratando-me, matando-me. É o que eu estou a fazer. A matar-me. Aos poucos, devagar, em silêncio e passando despercebida aos demais, sem força para o derradeiro impulso e sem a verdadeira coragem para dar a volta e mudar de direcção. Sem a verdadeira coragem (para viver) e sem a falsa coragem (para morrer). Sem nada afinal. Vazia apenas. Eu.
Porquê?! Porquê? Se eu vejo isto tudo e de tudo tenho plena consciência? Preferia mil vezes ser um burro e não me aperceber sequer do que me estou a fazer.

Olhar o Sol, tomar um café, ver as gaivotas e estar com uma amiga. Coisas simples mas gostosas. Onde está o gosto agora? O pouco gosto que existia em respirar, em correr, em estar viva. Olhar o mar? Rir? Onde está? Perdi-o. Talvez saiba onde o possa encontrar mas uma força qualquer que não consigo vencer impede-me de o ir tentar reencontrar. Continuo a punir-me, quase quase resignada. Resta ainda um ténue brilho lá no fundo, uma luz que me diz que é possível, que ainda não está tudo perdido (se estivesse nem sequer estaria aqui a gritar), mas está lá tão no fundo que não sei se algum dia serei capaz de a trazer cá acima.

Até quando?

Correr? Treinar? Para quê? Não, nem ontem nem hoje, e provavelmente nem nos próximos dias.

Domingo Nazaré. Irei? Sim irei. Porquê? Para me salvar do sono em que não se acorda. Por isso vou com certeza. Mas não é a solução, apenas um subterfúgio efémero. Depois voltarei para de onde não posso fugir: a esta casa e a este ser: voltarei a mim de novo.

“Coitada! Que falta de força de vontade” - pensarão muitos a esta hora. Mas muito poucos sabem do que estou para aqui a falar, e ainda bem que é assim.

domingo, 5 de novembro de 2006

Há um pouco de arco-íris no céu.

Negrume paira sobre a minha cabeça e pesa-me nos ombros como se de um fardo inevitável se tratasse, mas levanto os olhos e há um pouco de arco-íris no céu. Um pouco apenas, mas está lá.

Fiz as X Milhas do Guadiana em 1h26m45s, o que dá uma média de 5m25s/Km, o que não traduz exactamente o que aconteceu, pois cheguei aos 3 km com 15 min certinhos, aos 4 km com 20 min certinhos, aos 5 km com 25 e 12 segundos, e a partir daí pode-se adivinhar o que aconteceu para justificar a média efectuada.

E durante a recta desde a saída da ponte até Vila Real, fomos fustigados por um vento forte que nos impelia para trás. Até tive de tirar o meu boné se não corria o risco de ficar sem ele. Cabelos ao vento, sem um único no rosto, tal era a minha velocidade (corrijo: tal era a intensidade e fúria do vento).

Passo, sou passada, volto a passar, volto a ser passada. Não há nada mais frustrante do que ser ultrapassada por alguém que nós já ultrapassamos. Eu fico absolutamente fula e psicologicamente é como se me pregassem uma rasteira e me deixassem de rastos no chão com as mãos e os joelhos a sangrar. Às vezes ainda tenho força para me levantar, sacudir o pó e reagir. Por vezes recupero a posição perdida, muitas vezes, não. Isto no que respeita mais às mulheres, pois é com elas que mais posso chamar estar a competir, embora também não gosto da mesma situação quando se passa com indivíduos de sexo oposto ao meu, mas aí considero uma Competição paralela. Com elas, jovens ou menos jovens, é que quero marcar posição. No meio do pelotão, é só avistar uma lá à frente! Só lá não chego e não a passo se não puder!

Mas senti-me cansada. Muito cansada, quase exausta. Tão mal que me assalta um nó na garganta e me vêm as lágrimas aos olhos! Corro sozinha. Que faço ali? Contra o vento, contra o meu corpo que implora que eu pare. Porque estou ali? Com as costas das mãos limpo as lágrimas que nem atingiram sequer o meio do rosto e se misturam no suor. Há que controlar-me, o aperto intenso na garganta arrisca-me a deixar de conseguir respirar. Soluço baixinho. Ex-Companheiros de equipa passam por mim. Simpáticos e queridos uns, estupidamente indiferentes outros. Estou magoada. Física e emocionalmente. Parece que não vou superar. Mas superei. Volto a conseguir respirar de forma normal, e avanço colando-me ora a um ora a outro que me iam passando. Chego à meta. Vitoria? Vitória de quê? Que ganhei eu hoje? Gostaria de vir aqui fazer a apologia da alegria da chegada, mas não consigo. Hoje não ganhei nada para além do facto de passar mais um dia da minha vida e não ter ainda acabado com ela.

A Lénia Gamito e eu, no fim. Durante a prova, logo no início, deixei-a para trás, eu quebro e ela passa-me e depois acho que ela com pena de mim, me deixou voltar a passá-la...


E lá no céu, bem longe, quase inalcancável, muito ténue, continua um bocado do arco-íris para quem o quiser ver. E eu ainda o consigo ver, mas será que quero?

sexta-feira, 3 de novembro de 2006

Da janela do meu escritório vejo-os passar. Em grupos de cinco ou mais, ou sozinhos, quando se deixam ficar para trás. Sobem a rua ou descem a rua, em plena hora do dia, e no coração da cidade. Suponho que vão e venham das margens do Tejo, onde Lisboa é plana e os treinos podem ser feitos longe do trânsito. Quem me dera estar com eles. Ou sozinha. Quem me dera apenas.

É costume dizer-se que se deseja sempre o que não se tem. Ora aqui está um exemplo:

Engaiolada no escritório queria voar sobre a cidade, planar sobre o rio e treinar sob a luz do dia.
Impossível. Entre mim e eles há um vidro intransponível que poderia chamar barreira invisível mas razões várias impedem-me pois de facto o vidro é tudo menos invisível.

Ao fim do dia, subo as escadas do parque de estacionamento mas é como se as descesse. Já é noite. Cai sobre tudo um manto de névoa e humidade que me envolve também. Não caio eu, mas escorrego. Escorrego nos degraus húmidos e viscosos e frios. Pouco passa das seis da tarde. Subo os degraus lentamente e mais lentos do que eu atrevem-se enormes caracoletas a atravessar os degraus de pedra para procurar nova vegetação na outra margem da escadaria, ou quem sabe uma melhor vida. De cinco em cinco degraus encontro uma caracoleta. Corpo e corninhos esticados, com a enorme casa às costas, eles não se detêm e avançam no seu passo, no seu caminho escolhido e com convicção. Apenas um pé humano desatento ou por maldade os impede drasticamente de chegar à outra margem, onde novas urtigas, malvas e outra vegetação desconhecida para mim, se debruçam pelas escadas, ameaçando invadi-las e juntar-se ao verde semelhante da outra margem da escadaria. Tudo está coberto de humidade e uma névoa abraça-nos, envolve-nos como manta gelada e húmida que nos leva para o túmulo. Não é agradável.

E eu tenho frio. Procuro quem me leve a casa. O meu carro espera-me lá em cima e ele me levará. Só tenho de chegar a ele.



- Não, a Ana não vai treinar, tem a menina.

A Ana tem a menina sempre. E ai dela se não a tivesse. Jamais treinaria num outro mundo qualquer, pouco fantástico e frio, frio como o que sentem os que não têm casa e vivem eternamente no Inverno.
Morro sem morrer. Corro sem correr. 3ª, 4ª, 5ª e 6ª: não treinei dia nenhum.

Amanhã parto para o Algarve. Vou fazer as X Milhas do Guadiana.