Saiu do escritório e foi para casa a correr, e a correr apanhou a roupa e estendeu outra que não coubera no estendal quando estendera a primeira. Despiu-se, vestiu-se, calçou os ténis e preparou uma mochila com uma toalha usada, uma garrafa de água com sumo de limão que acabara de espremer e os documentos que lhe permitem conduzir legalmente.
Passam das 20:00Hrs e fazem 10ºC. Correu exactamente 51 minutos num ritmo calmo mas teve a sensação de se sentir um pouco de nada menos pesada do que nas últimas vezes que correu.
Passou pelo restaurante onde já fora feliz em tempos. Pensou nele. E sentiu saudades. Muitas saudades... E queria acabar o treino, tomar um duche, vestir uma roupa feminina que a tornaria elegante, perfumar-se e maquilhar-se levemente e sentar-se com ele de novo naquele restaurante a comer um bom arroz de tamboril e um melhor vinho branco fresco. E queria falar e rir e conversar. Corridas, planos, treinos, histórias engraçadas e outras sérias. O passado, o presente, o futuro, a misturarem-se à mesa atirando emoções de um para outro, como um feixe de luz que os faz sorrir, rir, e transbordar de alegria. A corrida, sempre a corrida a conduzir-lhes a vida, a acompanhá-los nas suas vidas. A ligá-los inicialmente para depois descobrirem que tinham muito mais coisas a partilhar. Com carinho, amizade, respeito, admiração, prazer também. Queria soltar gargalhadas e ver o brilho dos olhos dele. Queria despedir-se dele numa doce embriaguez de amizade e ternura, com um beijo demorado e carinhoso, ainda com os lábios frios do vinho a aquecerem-se na face dele macia, a roçarem os lábios dele involuntária, inocente e inconsequentemente, quando os seus rostos se afastam, e mandar outro para a esposa dele que só estava ausente pela circunstância da distância, e a quem ela muito admira e respeita, mais que ele próprio, mas isso é outra história.
Queria…
Mas acabou o treino, alongou a correr, e a correr foi buscar a filha ao clube. São perto de dez da noite quando mete a chave à porta. Manda a miúda para o banho, atira uns feijões verdes, umas batatas, dois ovos e uma posta de bacalhau para dentro de um tacho onde a água já ferve, e vai secar o cabelo à miúda que entretanto acabara o banho.
Tira a comida e comem juntas. Hora de lavar os dentes, e preparar as mochilas para o dia seguinte, já de rotina retomada, felizmente a miúda está bem melhor hoje.
É a vez dela tomar banho. Arruma a cozinha. E caminham os ponteiros para a meia noite quando se senta em frente ao computador a fazer uma coisa de que ela gosta verdadeiramente: alimentar o seu diário, com letras e palavras e estórias, atirando-as ao acaso, juntando-as depois, ordenando-as em tentativas tantas vezes inglórias, de as fazer fazer sentido, para que este se mantenha vivo, e através dele, viva ela também. Correr e escrever é também viver. E ela já não vive sem nenhum dos dois.
Até amanhã querido diário
Tua
Ana
6 comentários:
Olá Ana
Talvez existam poucas formas de viver de forma tão plena como a correr e a escrever.
Bonito post.
Beijinho Ana,
AB - Tartatuga
Olá Ana
Bonitas palavras.
Continuação de boas corridas e venham mais palavras.
Bom fim de semana.
Com admiração,
António
A corrida serve para isso mesmo, limpar, só que há coisas que saem e há outras que não queremos nunca que saiam e são essas coisas ainda fervelhantes, boas ou más, que por vezes nos fazem companhia e nos ajudam, sem nos aperceber-mos, no cumprimento do nosso ritual diário, noemeadamente os treinos, e quando nos apercebemos o que estamos a fazer, já está. Daí pensar também que o treino até custou menos, pois é ...
Um abraço.
Obrigado pelo bonito comentário que deixou no meu blog, foi muita simpatia sua.
Um abraço.
Se escrever assim depois de 51 minutos de treino, deveria treinar 3 horas por dia, pelo menos...
Como diz o outro "gostava de ter escrito isso".
Parabéns pelas corridas e sobretudo pela escrita. Voltarei para ler os outros posts com mais cuidado.
Um abraço,
Fernando
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