Dando continuidade e fazendo parte do processo de emagrecimento a que me submeti, há dias que ando a reduzir a quantidade de açúcar que ponho em cada café. Tenho vindo a reduzir, a reduzir… Reduzi até já ser possível contar os grãos de açúcar que devem cair no delicioso e negro líquido submerso sob a camada cremosa que o cobre, tornando-o digno de deuses e de deusas. Absolutamente divinal! E se um ou dois grãos de açúcar a mais cai acidentalmente na chávena, o café fica estragado, o dia fica estragado, eu fico estragada!
E há dias, por acidente caem-me uns grãozinhos a mais na chávena, e poucas pessoas poderão saber o que uma pessoa como eu (quem me CONHECE?) sente numa situação destas. Na altura disfarcei. “Oh que chatice, já não vai ficar como deve ser… bem… não faz mal, não mexo e com sorte fica no fundo da chávena” - disfarcei para o que a sociedade entenderia como comportamento normal, pois os grãozinhos de açúcar que caíram a mais do que o meu habitual, foram de facto em número insignificante.
Comportamentos com a comida. O papel da comida vai muito mais além do que alimentarmo-nos. A utilização da comida como compensação, castigo, ambição transfigurada, imagens distorcidas, valores errados.
O que é dado como normal, o que é aceitável, o que é “estranho”, o que ultrapassa o “normal” enveredando e empurrando-nos para um poço num campo de concentração de onde nunca mais se sai completamente. O arame farpado que nos rasga a pele e esventra e revolve as entranhas cada vez que queremos saltar de novo a rede, cá para fora, para o mundo das pessoas normais, que comem e vivem “normalmente”.
Aquela cena fez-me roçar de novo, ao de leve apenas, as farpas do arame do centro onde já estive encarcerada, e levou-me de novo (momentaneamente) a um outro mundo que só existe do outro lado do espelho e cuja fronteira nem todos têm a infelicidade de transpor, desconhecendo o sofrimento dos que a ultrapassaram, levianamente julgando-os.
Hoje, o meu amigo que assistiu à cena, disse-me:
- Não sabes a vontade que tive de te bater! Naquela cena do açúcar a mais que caiu no café! Só me apeteceu bater-te! Não viste foi a cara de pânico com que ficaste por o açucar ter caído! Ai que nervos me fizeste, eu é que me contive! Já viste bem o tecido das calças que te sobram no rabo? Já viste o que emagreceste?! Em quanto tempo?!
Afinal… não disfarcei nada, pelo menos para ele… E perante mim própria, entristeço-me, e lá vêm os grilinhos da consciência: “que fazes para alterar isso?” Eu faço, eu faço, estou muito melhor do que já fui, mas sozinha não consigo, ainda me perseguem vestígios, fantasmas ainda presentes, e os profissionais de saúde com que me defrontei até hoje, decepcionaram-me redondamente. Estou só. Não, não estou só. Tenho este (e outros/as) amigas que me “topam” e me chamam a atenção para o que eu me estou a fazer. Eu sei. Obrigada. E eu… estou bem, eu estou bem, eu estou bem…
Hoje não corri, nem fiz “nada”. Comi demais. Havia um chocolate na mala. Chocolate preto biológico seja lá o que isso signifique, mas que eu adoro! Calorias não lhe faltam de certeza! Nunca menos de 500 e muitas calorias por 100 gramas! Abri e fechei a mala vezes sem conta. Só um quadradinho. Fecho o saco. E se for só mais um quadradinho? Abro o saco, como mais um quadradinho. Fecho o saco. E se… Repeti a operação 6 (SEIS!) vezes, o que totaliza 17,5 gramas (são quadradinhos pequenos).
Pois, devia de estar a correr em vez de estar para aqui a escrever isto. Pois devia! Não posso! E porque não posso, não quero! E ponto final! E venham lá os magistrais e teóricos discursos de quem não sabe do que fala, mas na hipótese de surgir um verdadeiro magistral comentário, aqui está a Maria, quase completamente exposta, despida perante si própria e os outros, buscando-se por dentro nessa imagem que o espelho reflecte.
nota: a quem o assunto possa interessar, recomendo vivamente algumas obras que já li (se não, como as recomendaria?):
"O outro lado do espelho" - autobiografia de Marya Hornbacher - Gradiva
"Magros, gordinhos e assim-assim" - Isabel do Carmo - Edinter:
"Hoje acordei gorda" - Stella Florence - Rocco
"Anorexia e Bulimia" - Katherine Byrne - Principia
3 comentários:
Olá Ana,
Gostei!!! Lá se vai a tua dieta. Já aumentaste umas graminhas né? já vi muita gente estragar dietas com a tentação de um bom chocolate mas por uma ou outra vez...não é grave. Não achas que pior do que comeres chocolate é não ires correr seja devagar seja num ritmo mais rápido? Eu acho. Não deves pois pôr as culpas no "gostoso escurinho" que comeste mas só a ti.
Vamos pois esperar até Sábado na balança né?
E quanto ao teu amigo que te olhou para o espaço que existe nas... acho que tem razão para estar preocupado. O perder peso muito rapido (mais de 2kg por mês)pode provocar efeitos negativos na saúde. Por tudo isto acho que o teres comido vários pedaços de chocolate até te fez bem.
Viva o chocolate!
Fernando Sousa
chocolateNão quero aqui dizer nada que já não te tenham dito
Oh, Ana,
É preciso ter calma. Eu felizmente ou infelizmente nunca consegui ficar "viciada" na perda de peso.
Confesso que quanto mais perdemos mais interessante fica esse processo e mais motivadas ficamos, mas como eu até agora nem 200 gramas consegui perder, acho que não consigo.
Mas tu!!!!!!!! Vamos lá ter calma, realmente tens perdido um bocadinho rápido demais, não? É preciso encontrar um equilíbrio (quem sou eu, para falra de equilibrio, né?). Se estás feliz, tudo bem! Mas não entres em stress, só por comeres esse chocolate todo. Nós mulheres, todos os meses passamos por um periodo de maior desejo por alguns alimentos. Acho que é perfeitamente normal.
Tem calma, e não te esqueças de uma coisa muito importante. A tua filha está aí ao teu lado. O que dizes não tem muita importância, mas o que fazes tem. Ela vai assimilar todo esse comportamento. Tens de ser o exemplo, não podes deixá-la acreditar que só podes ser feliz tendo uma figura magra.
Muitas vezes, penso nisso. Se fosse mais magra, seria mais feliz? Não, claro que não, isso tudo não passa de uma ilusão, e nisto acredito muito.
Reeducação alimentar para a vida, aí está a resposta. Aprender a amar o nosso corpo (coisa que a maioria de nós não pratica, incluindo eu), fornecendo-lhe os melhores tipos de combustível, não exigir demais dos nossos genes, e buscar o equilíbrio entre corpo e mente.
É difícl, mas temos a vida toda para conquistar isso. Eu estou a aprender a respeitá-lo, mas leva-me tempo. Até porque a sabedoria também só se desenvolve com o tempo.
Ai, desculpa Ana! Só queria ajudar, não tomes isto como um sermão ou conselho. Quem sou eu para aconselhar alguém? Só p+ara te dizer que é nisto em que eu acredito. E desejo-te tduo de bom, minha cara amiga, magra ou gorda, continua a seres tu, e vai tentando buscar a felicidade aos pouquinhos, nem que seja atraves de alguns quadradinhos de chocolate. Quem disse que a felicidade não se encontra tb no chocolate?
Beijinhos e até breve!
Apreciei bastante o teu comentário Lénia.
Obrigada.
Ainda bem que não sabes o que são estas teias onde por vezes nos deixamos enlear.
Todos os dias é uma luta, ganha ou perdida. E ganho quando aprecio um chocolate! Porque comer é bom! É um prazer que só por doença o perdemos.
Comer para viver! Viver com prazer, comer com prazer.
Ser feliz... sim, por vezes a felicidade está num quadradinho de chocolate sim.
Um beijinho para ti e obrigada
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