"Conhece bem aquele corredor. Conhece-o por demais. Por ele ter sido o horizonte de tantas noites e tantos dias da sua vida. Cenário real em mundo imaginário. Branco, alto, estreito, de paredes brancas rugosas onde arranha as palmas das mãos propositadamente ao percorrê-lo. Corredor sem fim que a viu correr em vão de um lado para o outro em busca de uma saída. Corredor sem portas de paredes asfixiantes.
Conhece bem aquele corredor. De paredes brancas enganadoramente lisas onde arrasta as palmas das mãos e sente o frio e os grumos do cimento a rasgarem-lhe a pele. E ela arrasta as palmas das mãos ao longo do corredor enquanto o percorre ansiosa. Aumenta a pressão à medida que o percorre. Até doer e sangrar. Na ansia de abrir um rasgo e esgueirar-se para o exterior.
Conhece bem aquele corredor. De paredes brancas com manchas de humidade a fazerem caras feias de fantasmas e espectros. Até essas ela conhece bem. Sempre os mesmos olhos encovados, as mesmas bocas abertas e expressões grotescas. São estas as manchas de humidade nas paredes deste corredor branco. Que ela conhece bem.
Conhece bem este corredor branco. De paredes altas e lâmpadas tubulares fluorescentes agarradas ao tecto e salpicadas de dejectos de moscas. Há luz, muita luz neste corredor branco que ela conhece bem. Luz em demasia, branco em demasia, paredes em demasia que ameaçam esmagá-la.
Quer sair. Não sabe. Às vezes pensa que se correr muito conseguirá sair. E às vezes, de ténis calçados e rosto transpirado consegue mesmo sair e vê o mundo fora do corredor. Pode até manter-se nesse mundo um bom período de tempo. Mas com o tempo, pelas brechas debilmente soldadas como feridas frescas mal cicatrizadas, infiltra-se de novo e sempre o branco e quando ela dá conta, foi completamente invadida e é já ela que está de novo dentro do corredor branco alternando estádios de luta com derradeiros gritos antes de se aninhar a um canto e deixar-se ficar."
Escreveu e depois apagou tudo deixando o papel branco agora borrado, amarfanhado e amarelado. Olhou então para a folha aparentemente limpa e teve a certeza que nada se apaga. Poderia apenas virar a página ou mesmo saltar a página, mas ela continua sempre lá.
Poderia ter escrito que percorreu em passo de Corrida o caminho que vai do ponto a) ao ponto b) e que demorou "x" tempo nesse percurso, o que lhe daria uma média de "y" minutos por km, e que se sentiu cansada, leve ou pesada, triste ou animada e que mesmo assim se sentiu muito feliz simplesmente porque correu. E todos acariciariam a página, de brandos e agradáveis modos e perderiam nela uns minutos a sorrir perante a singela descrição do acto.
Poderia... mas essa página já estava cheia mesmo apagada. Vira a página e aí sim, encontra uma nóva página em branco para escrever tudo o que quiser.
Até amanhã querido diário
6 comentários:
Sabes, pode parecer parvo mas eu adoro diários, servem para reflectirmos.
Ai! Ana!... Valha-me deus rapariga, que não sei o que queres dizer e que me deixas tão angustiada...
Beijinhos
Por aqui também há corredores mas são pretos, negros que nem breu! Só se vê uma pequena luza a brilhar lá ao fundo. Nem é bem um luz é um centelha da dimensão da chama de uma vela.
Corro na busca dessa luz mas quando me julgo prestes de a alcançar ela apaga-se e acende-se mais adiante no negro corredor.
E corro de novo na busca dessa pequenina luz nesse infinito corredor negro.
Oh Ana....
Não desanimes.... deixa lá...
Depois da Maratona de Lisboa vamos combinar um treino....
Beijinho
Oh Ana....
Não desanimes !!!!
Depois da Maratona de Lisboa vamos combinar um treino?
Tipo "treino de Natal" ou "treino fim do ano"... qualquer coisa... pensa nisso.
Beijinhos
Fiquei com o coração apertadinho ao ler este post.
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