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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Histórias da Maratona do Porto - As Maçãs

- Como é que correu o fim-de-semana?

O fim-de-semana correu bem, ela é que não correu sequer. E se não correu não tem de ir a correr escrever. Mas devagar, devagarinho como ela corre e gosta, vai pegar na caneta e no papel e como quem não sabe fazer mais nada, começa a escrever...

Histórias da Maratona do Porto

O transporte de 110 pessoas para a Maratona e um stress do caraças



As Maçãs
A coisa não teria corrido muito mal se, e aí, por causa do cabrão do "se" é  que a porca torce o rabo, se, dizia eu, como se não bastasse a responsabilidade de levar e trazer 110 pessoas de Lisboa ao Porto, não tivesse recebido a notícia ao chegar ao hotel, de que de 13 dos 40 quartos que marcara, não rezava a história que tivessem sido marcados. Treze! Os treze primeiros quartos reservados tinham-se eclipsado pura e simplesmente! Treze quartos, vinte e seis pessoas sem guarida!

Apurar responsabilidades impunha-se! Difícil quando há demasiados intermediários, e a hora não era a de apuramentos, julgamentos e acusações, mas de soluções. O Porto estava cheio, diziam! E estava! A Maratona trouxe muita gente ao Porto. Mais de nove mil entre todos os participantes dos três eventos da Maratona. "O Porto está cheio! O que quer que eu faça?" - as palavras ecoaram-lhe severas, ríspidas, aguçadas e definitivas. Sentiu-se magoada. Apeteceu-lhe chorar naquele átrio de hotel. Mas não desabou! Identificou o problema, pensou em todas as hipóteses para o solucionar, fez e recebeu mil e uma chamadas telefónicas. Pediu ajuda, segurou-se sabe-se lá a quê, enfrentou o touro de frente, pegou-lhe nos cornos e lutou com a força que tinha. Não sozinha, é verdade, pois sozinhos somos nada, mas conseguiu aguentar-se de pé e à noite todos dormiam bem instalados. Não sem algum prejuízo, é verdade, mas ela fez o que pôde.

Diversas reacções dos lesados. Todos com razão, saliente-se. Desfez-se em desculpas e refez-se de novo. De pé. Duas posturas alternativas sobrevoam-lhe a mente para o futuro: nunca mais se mete noutra e nada disto se repetirá, ou, a que acabou por optar: fará tudo de novo, pega no desafio e fará tudo de novo para o ano, mas com a certeza de o fazer bem feito. Porque ela é capaz! De outra forma certamente. Assim a 9ª Maratona do Porto o deseje, e assim ainda alguém confie nela. É um desafio.

Depois, a Maratona foi corrida, a viagem de regresso feita e à chegada a Lisboa, um saco cheio de bolinhos de pastelaria fina da Invicta é deixado esquecido num dos autocarros. Quando muitos já estão a caminho de casa, ela ainda aguarda que o último retire a sua mala da bagageira do autocarro e que o motorista lhe diga que está tudo bem. Sobra aquele saco. Não se identifica o dono. Todos se afastam já e ela ali fica no meio do Campo Grande com um saco cheio de bolos na mão. A aguardar que alguém lhe ligue. Afinal, a todos foi deixado o seu contacto. Poderia ela também contactar as pessoas, mas seriam mais de 80 chamadas... Ainda liga para um grupo, tentando acertar pela descrição do motorista acerca do dono do saco. Não, não é de ninguém daquele grupo. Leva os bolos para casa e vai aguardar, pelo menos 24 horas, antes de lhes afinfar o dente.

Mal chega a casa e recebe uma chamada. Está achado o dono dos bolinhos. E descobre-se que o atleta proprietário dos mesmos trabalha bem perto dela. Coincidências. É marcado o encontro e no dia seguinte depois de almoço, lá vai ele reivindicar o que é seu. Para espanto dela, ele traz-lhe um saco enorme cheio de maçãs, pois trabalha com elas. "É para a troca?" - brinca ela, atrapalhada e agradada com a gentileza e simpatia. Cumprimentam-se, trocam os bens, disponibilizam-se mutuamente pois afinal são "vizinhos" profissionalmente falando, e ela sente um reconhecimento neste gesto que a toca profundamente. Tão profundamente, que estas são as maçãs mais bonitas, saborosas e suculentas que alguém vez ela viu ou comeu.

Por coincidência, ou não, o atleta das maçãs é tão somente um dos 26 que ocuparia um dos treze quartos cuja reserva se perdeu no tempo, e um dos lesados e prejudicados com tal episódio. O significado do gesto, cada um que tire o seu, já que para ela é claro como a água: se por ventura tivesse dúvidas em voltar a "organizar" esta brincadeira, estas ter-se-iam dissipado por completo. Simplesmente porque... vale a pena!

13 comentários:

Anónimo disse...

Ola Maria

Mais uma historia bem contada.

Gostei especialmente da parte do toureio, ou seja, do pegar o touro pelos cornos. Eheeh

Beijos
serra

Fernando Andrade. disse...

Mais um lindo texto, Ana. Pela forma como está feito mas, sobretudo, pela riqueza da moral que encerra.
Os gestos de gratidão tocam fundo e acabam por ser estimulantes.
Afinal, ninguém ficou melindrado com a falha que aconteceu em relação às reservas de hotel, porque todos entendem que só quem não presta este tipo de serviço absolutamente voluntário, é que não está sujeito a que lhe aconteça algo idêntico.
Muito bem, Ana.
Grande beijinho.
Fernando Andrade

JoaoLima disse...

Estes textos prendem-nos desde início e deixam-nos um sorriso.

Muito bem Ana. Tudo vale a pena, quando é feito de forma tão generosa como o fazes.

Beijinhos

Henriqueta Solipa disse...

Mais uma vez me deixas comovida com as tuas palavras... é assim mesmo "VAI-TE A ELES"....


.... espero eu... que um dos "ELES" seja eu da próxima vez :-)

neijinhos

.JOSÉ LOPES disse...

Olá Ana

Você tem de escrever um livro, até me veio uma lágrima ao canto do olho.
Excelente descrição do acontecimento com as várias emoções que compõem o relacionamento humano.
Só fiquei sem saber como solucionou a situação, mas pode ser segredo :):)

Bjs
J.Lopes

Anónimo disse...

Bonito. E tenha eu hipótese de estar presente, que depositarei toda a confiança nessa organização. Sem qualquer dúvida. Organizar o transporte de 110 pessoas não é para qualquer um. E apesar do imprevisto, a verdade é que ninguém dormiu debaixo da ponte, mesmo com a falta de quartos nos hotéis à volta. Parabéns pela organização, determinação e, como foi bem dito, por ter enfrentado o touro de frente, pegando-lhe nos cornos e lutado com a força que tinha

Unknown disse...

Afinal ainda há coisas boas neste mundo! Belos exemplos aqui ficam...
Parabéns Ana.

Lopes - Fafe disse...

Olá Ana
imagino os nervos que teve quando viu que não havia alojamento para os atletas.
Prabéns pela sua bravura.
E já agora quando houver outras histórias conte.
Um beijinho
João Lopes

Lopes - Fafe disse...

Olá Ana
esta é uma história para a história, pois imagino os nervos que terá tido, quando soube que não tinha os alojamentos para os atletas.
Parabéns pela sua bravura.
E já agora conte sempre estas histórias.
Um beijinho
João Lopes

Jorge Branco disse...

Por alguma razão este blogue me encanta há tantos anos, ainda nem sabia o que era isso de um blogue nem sonhava alguma vez meter-me na aventura de criar um.
O seus textos mereciam estar reunidos em livro mas eu felizmente, ou infelizmente, conheço o ramo livreiro e sei com isso é complicado.

E disse...

Ana!!!

que delícia de texto!
a gente termina de ler com a alma lavada!

se vale a pena? os de coração nobre como o seu fazem tudo valer a pena!

quando eu puder ir correr a Maratona do Porto, quero que seja aos seus cuidados;)

bjs
mas aqui pra nós: apesar do simbolismo e da aparência suculenta das maçãs, fiquei com desejo de comer bolinhos rsrsrsrs ;)

Pedro Ferreira disse...

Ana,

Eu não fui, mas não posso deixar de agradecer o esforço. Os amigos contaram que a dedicação foi 6 estrelas!

Obrigado por eles e por nós, no futuro.

joaquim adelino disse...

E à última lá fomos jantar, descer, descer até quase junto ao Rio, ementa: prato único, Francesinha, estava tramado, eu e o Melro, o Fernando Andrade a meu lado saboreava aquele monte escorregadio de queijo pelos cantos da boca, perdi completamente o apetite, chamo o Sr da mesa e procuro resolver o meu problema, o Melro lha atentamente e também está entalado, Tenho ovos Sr e podemos fazê-los com fiambre e batatas fritas! Ok vamos a isso, fico à espera enquanto os nossos companheiros de ocasião se refastelavam daquela mistela, para onde quer que olhasse só via cascatas a caírem para a colher de cada um, para desanuviar, a odisseia da Ana devido à falta de quartos de que se saíu muito bem, via-se agora uma garota que sentia orgulhosa pela missão cumprida, posa conosco para a foto com a promessa que no ano seguinte nos acompanharia na Maratona, promessa por cumprir e espero que este as contas sejam ajustadas. Tenho pena de não os acompanhar e faço votos para que a deslocação ao Porto seja mais um dia cheio de felicidade para todos, estarei lá em pensamento.