

Sentia-me cansada hoje. Certamente do treino de ontem. De qualquer forma resolvi ir treinar ao fim da tarde. Peguei no meu pai e lá fomos nós para o Parque como é habitual. Ele iria caminhar e eu correr.
Agora, em casa, digo que fui correr e deixei o meu pai no Hospital. Está lá agora, neste preciso momento e passará lá a noite. Não o trouxe de volta comigo para casa. Voltei para casa sozinha.
Passo a explicar: o treino acabou abruptamente, tão abruptamente que nem desliguei o cronómetro. Ali, são muitos os que me conhecem. Um "olá Maria" já não me surpreende, e eu, péssima a fixar fisionomias, todos me parecem familiares mas de facto conheço ou reconheço muito poucos. E andava eu às voltas há cerca de 45 minutos ou pouco mais, quando junto aos balneários, um jovem me chama "Ana", e continua a falar e a gesticular apontando para a casa de banho. Não percebi o que dizia, estava muito vento e eu ainda um pouco afastada. Temi o pior. Corri mais depressa para ele e ouvi o que não queria "O seu pai caiu, está aí dentro".
Sangue, sangue, sangue. Um buraco no sobrolho que jorrava sangue pela camisola e pelas calças, a cara rasgada, nas maçãs do rosto, nos lábios já a inchar, as mãos e os braços de pele esfolada e a sangrar também. Mas o pior, o pior era o buraco sobre o olho, que ele, a tentar estancar o sangue, tapava com papel higiénico que se tingia de vermelho rapidamente. "
Já chamei uma ambulância", "ele caiu redondo no chão", "estava desmaiado quando cheguei ao pé dele", "essa zona - o sobrolho - é uma zona sensível, é natural sangrar muito", "é melhor ir ao hospital, deve ter de levar pontos", "não deve ser nada mas é melhor ir ao hospital", "ele esteva inconsciente"- olhava-os completamente desorientada e aturdida à medida que cada um falava. Agradeci e certifiquei-me que a ambulância sabia onde nos encontrávamos. Agradeci a todos e voltei a agradecer e agradeço agora a todos estes desconhecidos de rostos conhecidos.
Fixei a imagem do Bombeiro, de costas para mim, a limpar-lhe a ferida. Alto, jovem, costas largas másculas e calças ligeiramente descaídas a revelar a roupa interior do rapaz, roxa e de seda lustrosa e brilhante. Sabia que não eram horas para devaneios, mas no momento foi onde fixei os olhos, sem saber se achava aquela imagem natural ou bizarra, mas sem dúvida preferível em alternativa à ferida aberta a sangrar que me causava ligeiras náuseas e da qual me afastei propositadamente. Tem destas coisas o nosso inconsciente.
As consequências da queda parece que não são graves e estarão tratadas. Mas ficou no Hospital para observação e para se tentar perceber o motivo do desmaio.
"PAI!!!!!!!!!!!" - tenho um sangue frio do caraças. Parece que não sinto nada. Reajo. Tratei do que devia. Fui a casa dele buscar-lhe os documentos. Folheio as páginas plastificadas da carteira dos documentos onde está a informação da sua situação clínica e da medicação que faz, e deparo-me com uma foto da neta mais nova, a minha filha. Aquele momento não é hora para lamechiches. É seguir e fazer chegar o papel ao Hospital, junto dele.
"PAI!!!!!" - toda a sua fragilidade foi por fim revelada. E dentro de mim, há só um grito mudo, que insiste em silêncio, como que a querer-se libertar: PAI!
Hoje não tenho mais nada a dizer, a não ser que corri cerca de 45 minutos, e cerca de 7 Km
Até amanhã querido diário, e... peço aos crentes que rezem pelo meu Pai, que ele ainda me faz muita falta
Obrigada