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quarta-feira, 30 de março de 2011

Depois de amanhã...

Porque às vezes, em certos dias, horas ou momentos, as Palavras dos Poetas nos assentam como uma luva, e porque sim, hoje trago aqui "Adiamento" de Álvaro de Campos.

"Adiamento"


"Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjectividade objectiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um eléctrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...

Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espectáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espectáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...

O porvir...
Sim, o porvir..."

de Álvaro de Campos


E amanhã, e depois de amanhã... eu poeta vou, eu voo, eu corro e escorro, eu estreio um vestido, um baton e um beijo, amanhã eu rio, eu vivo, eu corro, eu SOU... Mas hoje não... hoje não... hoje...não.Edvard Munch - pintor Norueguês (1863 -1944)

4 comentários:

horticasa disse...

E p'rá amanhã
Bem podias fazer hoje
Porque amanhã sei que voltas a adiar
E tu bem sabes como o tempo foge
Mas nada fazes para o agarrar

Foi mais um dia e tu nada fizeste
Um dia a mais tu pensas que não faz mal
Vem outro dia e tudo se repete
E vais deixando ficar tudo igual

É p'rá amanhã
Bem podias viver hoje
Porque amanhã quem sabe se vais cá estar
Ai tu bem sabes como a vida foge
Mesmo que penses que está p'ra durar

Foi mais um dia e tu nada viveste
Deixas passar os dias sempre iguais
Quando pensares no tempo que perdeste
Então tu queres mas é tarde demais

É p'rá amanhã
Deixa lá não faças hoje
Porque amanhã tudo se há-de arranjar
Ai tu bem sabes que o trabalho foge
Mesmo de quem diz que quer trabalhar

Eu sei que tu andas a procurar
Esse lugar que acerte bem contigo
Do que aparece não consegues gostar
E do que gostas já está preenchido

beijo eugénia

Maria Sem Frio Nem Casa disse...

Olá Eugénia, és uma querida :)

Ora aí estão outras palavras que demasiadas vezes também se encaixam em mim.

Mas Hoje, Hoje, é já o Amanhã de Ontem, e eu, por mais que me lamente, não o esqueço afinal, e estes desabafos, não passam mesmo disso: desabafos.


A Vida só se vive num momento: o Hoje, o Presente, e eu sei disso, às vezes é que me faço de esquecida e alimento a lamentação, mas no fundo, tu e os que privam comigo sabem bem que levo a minha vida para a frente, dia a dia. Hoje. Como todos os seres afinal.

Beijinho Eugénia

E disse...

eu amo esse poema!
muitas vezes encaixa-se perfeitamente em mim rsssssss

bjs

Anónimo disse...

Ana,

Palavars sábias as que trouxeste ao teu blogue...
Está bem, fica para amanhã...mas que o que quer que seja, seja bem feito, realista e sem pressas de se querer alcançar o "prémio". O que será? Pode ser muita coisa né?
Um treino? uma prova de atletismo?

Bjs e bom fim de semana descansado e sem pressas.

Fernando Sousa