Aninhada na cama vazia, sob os vários, macios e espessos cobertores e sobre uma poça de sangue espesso também, envolta no seu próprio calor e humidade, joelhos junto ao queixo abraçados e puxados com firmeza contra o seu próprio corpo, amachucando o ventre inchado, com os braços gordos deformados que não a deixam desdobrar ou mexer, ela imóvel, medita. Medita sobre o seu corpo disforme, grotesco, inútil e vazio e ao mesmo tempo enorme, vasto, gigantesco, exagerado e desproporcionado. No entanto completamente inútil, estéril, impotente e incapaz de gerar vida.
O instinto animal da procriação, instinto maternal, de novo acordado, fora afinal abruptamente reenviado para o vazio, onde sempre estivera, o lugar onde os sonhos dormem, até morrerem enterrados com falta de sol, de ar e de luz, ou até serem despertados por um beijo do príncipe.
Maltrata o corpo, chocoteia-o, inflige-o com castigos, pune-o com toda a espécie de maltratos, afoga-o, submerge-o ocultando-o, corta-o na tentativa inútil de o purgar, suportando com prazer mórbido o ardor provocado pela lâmina a deslizar sobre a pele, cortando-a e libertando sangue vermelho vivo que escorre livremente pelos braços até atingir a cama onde se entranha absorvido pelo lençol branco, bate-lhe com murros infligidos pelas suas próprias mãos até as dores físicas a fazerem esquecer as outras, ofendendo-o com palavrões que chocariam até os ouvidos mais rudes e habituados a uma linguagem pouco própria, e não dorme. Medita. Pensa. Alimenta a dor. Pensa até pensar se tornar insuportável e lhe parecer que vai elouquecer. Não dorme. Busca na gaveta os comprimidos. Eles ganham sempre. Abre a caixa, e de mãos trémulas já sem dúvidas agora, tira do blister um, dois, três… mais um, quatro. Será o suficiente para a adormecer com brevidade. E continuar “adormecida” até depois de acordar, umas boas horas mais tarde. Faz isso com frequência. Até um dia não acordar, esvaída em sangue. Apesar de ter perfeita consciência do risco que corre, não se importa. Não se importa rigorosamente nada!
A Maria tem pena dela. E com o seu corpo também disforme e dolorosamente gordo, compreende-a. Muito bem. Demasiado e perfeitamente bem. E não sabe o que fazer para a ajudar. Abraça a filha e adormece com ela, como quando ela era uma bébé, morninha e tenrinha. A sorte que a Maria tem! Só porque é mãe e tem um precioso tesouro entre os braços. A manhã chega e mais uma vez desliga o despertador que a deveria ter acordado mais cedo para ir treinar, e em vez disso, fica na cama até à última da hora para depois sim, acordar e se despachar a correr, mais uma vez… sem correr.
Até amanhã querido diário, ou depois de amanhã talvez...
9 comentários:
"Maltrata o corpo, chocoteia-o, inflige-o com castigos, pune-o com toda a espécie de maltratos, afoga-o, submerge-o ocultando-o, corta-o na tentativa inútil de o purgar, suportando com prazer mórbido o ardor provocado pela lâmina a deslizar sobre a pele, cortando-a e libertando sangue vermelho vivo que escorre livremente pelos braços até atingir a cama onde se entranha absorvido pelo lençol branco, bate-lhe com murros infligidos pelas suas próprias mãos até as dores físicas a fazerem esquecer as outras, ofendendo-o com palavrões que chocariam até os ouvidos..."
Bem! Oh Ana, olhe que a sua inspiração estava mesmo virada para o "sanguinário", livra !
Arrepiante, mesmo. Vá lá, salvam-se os palavrões que, assim como assim, perante um quadro destes é difícil evitá-los, eheheh.
Grande beijinho, Ana.
FA
Li mas não gostei.
Não gosto de cenas(escritos) de terror.
Continue a escrever, mas com assuntos mais "suaves".
Bons treinos
com os cumps
J.Lopes
Escreves coisas bastante arrepiantes mas, escreves muito bem. Quem me dera escrever assim um texto, também gosto de escrever, tenho ideias fantasticas mas depois não consigo transporta-las para o papel.
Secalhar eras a pessoa indicada para transformar os meus escritos em literatura.
um beijo eugenia
A Maria faz bem, mesmo achando-se gorducha ela abraça a filha e sente a sorte que tem, em tê-la...
Tão diferente de quem nada tem que a agarre à vida nos momentos dificies.
A Maria tem amor e tem-no de variadas formas,não só o da filha, ela sabe-o, e esses vários "amores" ,só podem transmitir-lhe coragem,força, vontade !!!
Espero que a Maria saiba avaliar isso, pensar nisso e seguir em frente...
quanto a ti Nuska, és linda!!!
Mesmo em casa de pernoca no ar, continuo atenta ao que escreves, sempre tão bem.
Fico à espera que o texto seguinte
seja mais positivo, nem que seja para eu me sentir melhor.. pensa nisso amiga, escreve uma coisa que me anime a mim :0)
Adoro-te (como sabes ) Beijocas boas
A doentinha..... :0)
TD
(estou no computador do Paixão daí ir em nome dele!!)
Sangue, Suor e Lágrimas.
Winston Churchil dizia:
"...Não tenho nada a oferecer-vos senão sangue, trabalho, suor e lágrimas...".
"Na guerra, determinação; na derrota, resistência; na vitória, magnanimidade; na paz: boa-vontade."
"Dêem-nos as ferramentas e faremos o trabalho"
Um beijinho do Pára.
Olá, mais uma vez eu aqui estou para dizer que a Maria deve ter tido um pesadelo horrífico. De repente lembrei-me que a Maria deve ser anoréxia! Quem assim se sente e se maltrata, tem problemas graves! Muito graves e para quê tantos adjectivos para que percebam que algo está mal? Para quê este exagero?
Nunca na vida estaremos bem quando nos flagelamos assim...
Nem nos filmes de terror!
Assim nem ela vive a Vida nem deixa viver quem ao redor dela está.
Jokas
Ana,
Quando as circunstâncias e os factos negativos nos envolvem parece que entramos numa espiral de sofrimento que não vai ter fim. Nesses momento o importante é nunca perder o equilíbrio, acreditar em nós próprios, olhar em frente e acreditar que é possível dar a volta aos problemas.
bjs
MPaiva
Viva, Maria!
já andava há algum tempo para comentar este post, mas também o anterior porque me parece que...te falta o treino. Porém, sinto em ti desmotivação. Cuidado, pode andar por aí o flagelo do "overtraining", de que falarei no meu blog em breve. Claro que lendo sinto a revolta da Maria. Calma! Há tantas coisas preciosas na vida de todos nós que em alguns momentos até parece que não existem de todo, mas orbitam-nos, é só parar um pouco. Em todo o caso, há esperança no que li. O que é que o overtraining tem a ver com o resto? A falta de um hábito viciante que está ausente na prateleira cria sentimentos depressivos. O meu conselho, se me é permitido, que tal umas corriditas ou mesmo passeios a pé, acompanhados de preferência? qualquer física, mas ligeira. Fazia-te bem.
Um beijinho
Outra coisa: bons e vários são os amigos que te comentam.
Sensação boa!
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