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quinta-feira, 25 de abril de 2013

Corrida da Liberdade

Ou....

O 25 de Abril de cada um. E este é o dela:

25 de Abril de 1974

Pouco depois de fazer 5 anos de idade, está sentada no poial da porta do quintal, de vestido branco, à sombra. Há uma agitação na rua. Um misto de alegria e medo. O povo saiu à rua, fala e grita. Uma excitação contagiante. Um movimento adivinhado e sentido. Ela ouve na rádio "A Tourada" de Fernando Tordo. Há no entanto no ar um misto de alegria contida e medo. Sim, medo! Ela sente-o. A mãe chama-a para dentro. "Para dentro! Para dentro! Depressa!". Ela não compreende o que se passa, mas obedece.

25 de Abril de 2013


A ACCL - Associação das Colectividades do Concelho de Lisboa organiza pela 36ª vez a Corrida da Liberdade. Inscrições gratuitas. Comemora a Liberdade e promove verdadeiramente o desporto para todos. Reune uns milhares de atletas entre as várias modalidades da Corrida: Caminhada, provas para os escalões jovens e prova "principal" com cerca de 10,5 Km.

Lisboa, capital de Portugal, garante hoje a segurança necessária para este evento. Com partida na Pontinha e Meta nos Restauradores, proporciona um percurso seguro, livre de trânsito, com um abastecimento de água pelo meio e ainda água sem restrições no final. É ofertada uma t-shirt de algodão a todos os particantes chegados à meta. Há animação na rua e as condições suficientes para a prática da Corrida são garantidas.

Corre-a pela 1ª vez. Corrida simbólica. Cravos, elemento simbólico também da Revolução, são oferecidos. A rapariga coloca-o junto ao dorsal ainda antes da partida.

Deixou o pai nos Restauradores, local da chegada, e vai de Metro para a Partida. Paga EUR 1,90. Levanta o dorsal, vai à casa de banho e encontra muitas caras conhecidas. Alguns amigos também. Desconhecidos, muitos.

Ainda é cedo e procura uma sombra. Por instantes, vê-se sozinha. No meio do burburinho, vê-se sozinha e sente. A Liberdade. Ela está ali. Vai correr. Porque pode, porque quer, porque lhe é permitido.

Censura mentalmente os que iguais a ela, desdenham o 25 de Abril ali mesmo. Desprezam os cravos e esquecem-se que se não tivesse havido a Revolução, eles, coxos como ela, estavam agora mas era a correr dentro de casa às voltas à mesa vazia e sozinhos.

Se não estamos bem, não é razão para se esquecer o mal que antes estávamos. Os regimes são como as relações. Acabadas umas por nos estarem a matar, a sufocar e a fazer sofrer, não é por não se estar agora no paraíso e até se estar bem longe disso, que vamos querer voltar atrás e esquecer tudo o que se conquistou!

Quando ela era miúda, ela comia pão com margarina e a mãe ralhava para não pôr muita pois aquela embalagem teria de durar até ao fim do mês. Hoje a filha dela come pão com manteiga verdadeira (da vaca) e na maior parte dos dias (não em todos, o racionamento continua a existir) pode acrescentar fiambre e queijo. Os seus pais comiam pão seco e duro, quando o havia.

E os outros? Os que não têm tabalho e comem hoje o pão seco e duro se o houver? 

Se estamos bem agora? Não!

Estávamos melhores antes de 74? Não! E nunca jamais ela considera sequer questionar se as conquistas terão valido a pena e se estaríamos melhores no antigo regime! Nunca jamais! Abril sempre!

Liberdade de expressão e algumas conquistas dos trabalhadores valem por si só.

Ela não sabe falar de política. Não sabe nem gosta. Mas viveu antes e depois de 74. E tem opinião. Fascismo nunca mais, obrigada!Lembra-se das histórias que os pais contam e os avôs contavam.

Ela preza a liberdade. Muito! De poder dizer, de poder escolher, de poder ser! Pois, pois, estamos sempre limitados, por isto e por aquilo. Mas jamais lhe calarão a voz!

Correu com o cravo vermelho a Corrida toda. Primeiro ao peito e depois no pulso junto ao relógio.

Como sempre, muitos amigos e companheiros pelo caminho.

Correu 10,670 Km durante 1h01m53s, numa média de 5:48.

Esforço mal gerido, e quebra a partir do meio, também agravado pelo calor.

Reencontra o pai! Fecha-se o ciclo de hoje. Corrida corrida feliz!

Questiona-se se deverá mesmo alinhar na partida da Meia Maratona de Almada já no próximo domingo, tendo em conta como se sentiu hoje. Procura respostas dentro dela e não encontra...

Entretanto, é livre para ter um blogue e escrever nele o que quiser transmitir. Pensamento bruto a sair em golfadas em forma de letras.

25 de Abril de 2013, correu pela 1ª vez a Corrida da Liberdade e está feliz. E Abril, será sempre comemorado por esta rapariga.



Fotos da autoria da minha Amiga Eugénia do Vale:




Dos Amigos Luís e Fernanda Parro:



Os fotógrafos: Eugénia do Vale, que também corre e bem, mas agora está a recuperar de uma lesão e foi-nos fotografar, e o meu pai, o grande Melro!
 Do meu pai:


E ele mesmo, o meu pai, o Melro:


Mais centenas de fotos desta Corrida da Liberdade, na Galeria da AMMA - Atletismo Magazine Modalidades Amadoras

No Album Picasa, do João Lima, fotos da autoria de Mafalda

E certamente muitas mais por aí, aqui, ali e acolá, que isto hoje difícil é irmos a uma prova e não sermos apanhados :)  Difícil depois é "encontrarmo-nos", que a informação é muita, a divulgação também, mas maior que tudo é a dispersão. Não que isso seja propriamente mau. É antes uma boa consequência das "reportagens" que os anónimos como eu, vão fazendo das provas e dessa forma as vão divulgando, sendo essa divulgação se não a única, a maioritária que as nossas Corridas, infelizmente, têm.

9 comentários:

Sandra disse...

Todas as tuas lindas palavras poderiam estar a sair da minha própria boca. Cada uma delas encontrou afinidade dentro de mim, e conseguiste fazer-me sair, sim dos olhos, lágrimas de comoção. Porque o que disseste aqui sobre a liberdade e sobre as conquistas do passado é a mais pura das verdades. Que bela corrida a tua, hoje, Maria. Está muito calor, sim. Mas não te desmotives, vais correr bem a meia de Almada! Uma coisa de cada vez... hoje assim, amanhã se calhar melhor, não é? Daqui a pouco, com mais fresquinho, vou fazer o meu 2º treino programado, do Plano. Beijinhos, e viva o 25 de abril!

JoaoLima disse...

Eu tinha 14 anos e vivi em pleno a revolução do 25 de Abril com a revolução por que passamos na adolescência :)

Beijinhos e até domingo

S* disse...

O teu ar de felicidade, quando corres, é mesmo bom de se ver.

Pedro Carvalho disse...

Gostei da tua companhia, sempre alegre.
No domingo decide pelo que achares melhor mas olha que não vai estar tanto calor. ;)

Beijos!!!

Isa disse...

Como sempre um artigo muito bem escrito e muito interessante.
Também corri a corrida toda com o meu cravo :)

No dia da Meia de Almada vai estar mais fresco, vais ver que vai correr tudo bem.

Beijinhos e boa Meia!

Anónimo disse...

Ana,

Bom dia! Acredito que a Meia-Maratona de Almada não te vai custar muito...basta saber dosear o ritmo e tu tens força na parte final.
Quanto ao 25 de Abril...as suas conquistas foram de louvar mas...os cravos já não estão vermelhos mas rosa e laranja com uns tons azulados...não me pronuncio mais pois ando demasiado revoltado com quem nos tem governado últimamente e posso dizer coisas que podem ser mal interpretadas.
Quanto às fotos e às personagens que lá aparecem estão giras...mas esperava poder vêr algo mais "provocantes"...

Bjs.
Fernando Sousa

joaquim adelino disse...

Não sabe de política? Bolas imagino o que seria se soubesse, a corrida tem destas coisas, nunca a esquecemos e quando se enquadra maravilhosamente bem com a história tudo faz sentido, foi a 1ª vez amiga Ana mas para além de correr deixou-nos um sentimento lindo pela forma como encara o momento que vivemos, sem perder a esperança e valorizando valores adquiridos que só o sofrimento porque passamos julgamos esquecidos. Parabéns pela prova e pela ação positiva que troxe até nós. bjs.

horticasa disse...

estou como a Sandra pá, também chorei... Que coisa, as tuas palavras são escritas com tanta emoção, que a gente sente cá fundo...
beijinho

SlowRunner disse...

Parabéns, Ana, pela sua 1ª Corrida da Liberdade!
Foi a minha 1ª também!

Ao ler a sua crónica, veio-me também à ideia os meus 5 anos (devemos ter pouca diferença de idade, semanas, meses...) e lembrar-me dos meus pais, antes de eu ir para a escola, dizerem-me: "se te perguntarem "isto" ou "aquilo", diz que não sabes!".

Fazia -me uma confusão do catano, na minha inocência de puto pré-Abril de 74, mas... aos 5 anos, os pais são a seta que nos indica o caminho - tal com a mãe da menina na sua crónica - e nem me passava pela cabeça fazer o contrário do que me diziam para fazer.

Muitos dos putos de hoje têm tanta liberdade que nem sabem o que fazer dela... e nem sabem dar o valor a ela.

Boa "Meia de Almada" para si é o meu desejo... um dia também hei-de fazer uma!

25 de Abril SEMPRE!!!

Cumprimentos
SlowRunner