3 de Dezembro de 2008 - outros Dezembros do início da década de 70
Saiu do consultório satisfeita. Não exactamente satisfeita mas antes tranquila. Extremamente tranquila. Não tinha nada afinal. Afinal ela não tinha nada que ali pudesse ser tratado.
Lisboa ao entardecer em dia de Outono ameaça de Inverno. Um céu cinzento com salpicos de chuva sobre os rostos e uma brisa fria que crescia à medida que ela se aproximava do rio. A Baixa está já enfeitada com as iluminações de Natal. Mas àquela hora, apesar de ser hora de ponta (cinco e meia da tarde) há uma tranquilidade reconfortante e estranha, nas ruas, intensificada pela luminosidade própria de um dia chuvoso a dar lugar à noite e permitir às luzes brilharem com todo o seu esplendor. Uma tranquilidade que inequivocamente emana e transborda dela.
Como por magia as ruas estão quase vazias, tranquilas como ela. Tem tempo ainda. Desce a Rua da Madalena, corta para a da Prata e pára numa pastelaria que como as ruas e como ela, está tranquila e serena.
Lembra-se que não almoçou e pediu café com leite e uma bonita bola de Berlim. Com creme pois claro. Sentou-se e lembrou-se dos tempos em que só vinha a Lisboa com a mãe, por ocasiões especiais mas idênticas às de hoje: uma ida ao médico, ou ainda para umas compras de coisas simples que não se encontravam senão na capital. Dias especiais esses, em que se parava sempre para lanchar. Na Baixa, no Chiado, no Rossio ou na Praça da Figueira.
É bonita Lisboa. Cheira a chuva e o odor do café com leite e do bolo intensificam-lhe a tranquilidade e avivam-lhe as memórias. O cheiro do ar a lembrar outros tempos em que a sua vida era tranquila e as preocupações não lhe cabiam na magia de ser criança.
Hoje, toma o lanche sozinha e estranhamente sente uma solidão raramente sentida. Talvez a proximidade do Natal e das luzinhas a piscar nas montras em frente a façam lembrar outras coisas, outra vida que foi a dela. Mas hoje é esta.
Sentiu vontade de telefonar a uma amiga, uma das poucas que tem, mas inibiu-se. Sentiu-se egoísta por telefonar para satisfação de uma necessidade sua: a de não se sentir tão só. Não ligou. Terminou o lanche, limpou as migalhas ao guardanapo, deu o último trago de café com leite, pagou e saiu. Simpáticos os estranhos. Os empregados e mais dois únicos clientes além dela. Um desejo de boa tarde foi trocado em conjunto com um sorriso e ela seguiu.
Caminhou até ao rio. Do outro lado está de novo a vida dela. Cala a nostalgia sob uma chuva agora intensa e as tarefas quotidianas que se impõem àquela hora do dia não lhe permitem sequer pensar mais em solidão ou lá no que quer que seja que se lhe assemelhe.
Hoje ainda, não correu.
4 comentários:
Amiga Ana
Um bonito texto que se adapta na perfeição a um dia de Outono.
"Do pequeno livro de pensamentos"
A felicidade não é feita do tamanho da casa mas do amor que enche a casa.
A felicidade não está no fim da jornada, e sim em cada curva do caminho que percorremos para encontrá-la.
A honra não consiste em não cair nunca,mas em levantar-se a cada vez que se cai.
A infelicidade no coração é como traça no pano.
(Camões)
Receba um abraço
Maria,
gostei muito deste teu post,as tuas palavras fizeram-me também a mim recordar outros dezembros do início da década de 70...também muito parecidos com os teus.
Obrigado.
Com admiração,
AAlmeida
Ainda não correu mais necessita de correr.
É altura de recomeçar.
Luís Mota
Vezes sem conta damos com as “Memórias”
Ao abrirmos o Blogue da Maria!
Mas queremos muito mais! queremos estórias
Das que ela tão bem conta, com mestria.
Será por infecções respiratórias ?
Por indisposição ? por arrelia ?
Por insónias que atacam sem piedade ?
Ou por estar a “afundar-se” na “Ansiedad”?
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