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quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

"Está frio, não apetece treinar, só apetece comer e beber coisas quentinhas debaixo da manta, já não vale a pena correr, já não vou à S.Silvestre do Porto, desisto de tudo, estou a morrer de desespero e de tristeza no fundo do poço viscoso cheio de escorpiões e vermes, a vida é uma mer....., eh pá, que chatice, estou mais gorda, nunca mais treinei, ninguém gosta de mim, sou a menina mais feia e infeliz e solitária do mundo, buá, buá, etc., etc..."

Era isto que esperavam aqui ler? Pois lamento mas o espírito não é esse de todo! E até consigo rir de mim própria!

Pois fiquem sabendo que do primeiro parágrafo a única afirmação verdadeira é a que se refere a estar frio. Está frio. Está muito frio!

Mas apesar do frio, apetece correr! De fato de treino completo, gorro, luvas, e impermeável, lá vou eu pela estrada fora. Sinto-me quente, sinto-me bem, tão confortável como se estivesse nua no sofá debaixo de uma manta quentinha abraçada a alguém com quem tenha valido a pena fazer amor, ao calor da lareira.

Só há um pormenor que me atormenta um pouco. Ao regressar a casa e ao ver a minha imagem reflectida no vidro da porta do prédio, que vejo eu? Um boneco de neve com pezinhos. Sim, deve ter pezinhos este boneco de neve pois acabou de correr. Mas é assim que me sinto: um simpático, atafulhado de roupa e anafadinho boneco de neve.

Bem, que fiz eu desde domingo?

2ª feira 18 Dez: Descanso
3ª feira 19 Dez: 1h10m corrida contínua lenta (já não sei mais nenhuma)
4ª feira 20 Dez: 1h10m corrida contínua lenta (já não sei mais nenhuma)

Agora, o treino de hoje na floresta ao pormenor:

Não devíamos ter entrado na mata àquela hora. São quase cinco da tarde e o Inverno que começa não perdoa. São curtos os dias e longas e frias as noites.

Corro. Vai escurecendo. Tenho medo. Está escuro. Os latidos dos cães ao longe saem de um filme e entram em mim. É este o meu filme. Tenho medo e corro mais depressa. Mas estou cansada e não posso caminhar. Quero sair dali depressa. Ruídos. Pássaros procurando um leito para passar a noite. Eu. Sozinha. Concentro-me no solo que piso a cada passada. Marcas de outros ténis, pegadas de cães, lobos ou raposas e riscos profundos e misteriosos no solo desenhando estranhos símbolos, tentando transmitir-me mensagens de outros mundos.

- Porque me deixaste aqui? Tenho medo.
- Não tenhas medo, o homem das pinhas não vem atrás de nós. Eu já te apanho!

Olho para trás, e afinal os ruídos devem ser só das nossas próprias passadas e do impermeável que levo vestido.

As árvores protegem-me – penso – são minhas amigas pois sabem que eu jamais faria mal à floresta. Mas há assassinos escondidos aqui. Porque me deixaste aqui? Leva-me para casa, para a minha cama quente. Envolve-me nos teus braços e leva-me para fora daqui, amor. Não serás capaz de me amar de verdade uma vez que seja?

Respiro pela boca, ofegante, o céu-da-boca gelado. O caminho estreita-se com a escuridão e para sair dali as árvores deixam-nos apenas um túnel escuro e de piso acidentado, onde traiçoeiras as suas raízes saem da terra.

Ouço-me. A respiração, o coração a bater e o medo. Até ouço e cheiro o medo. Ouço-me respirar sobre todos os outros sons da floresta a adormecer para dar lugar a outras vidas e outros seres, com estranhos hábitos e que agora despertam. Espectros dançam já por entre as árvores mas curiosamente desses não tenho medo. Acariciam as árvores e passam por entre nós gemendo. Sofrem. Mesmo depois de se terem despojado da vida, continuam a sofrer, o que me leva a pensar que a morte nem sempre é melhor que a vida.

Sinto as costas no chão frio e a picar-me, e o peso dele sobre mim, impedindo-me de mexer, sobre a minha barriga e coxas obrigando-as a ceder e abrir. Vejo-lhe o brilho maléfico nos olhos e a boca a salivar. As suas mãos grosseiras esmagam-me os pulsos contra a caruma no chão e sinto-lhe o cheiro nauseabundo misturando com a terra. O negrume da noite cobre-me e as árvores agitam-se impotentes perante a dramática cena. E eu só posso gritar.

- Nããããããããããããaao!

- Ana acorda! Isto é só um treino!

É só um treino… é só um treino…é só um treino…

Digam lá que não pareço um autêntico boneco de neve?
Nota: Agradeço ao Eduardo Santos, pelas fotos, paciência para treinar a passo de caracol e disponibilidade. Nestas coisas, de ajudar e incentivar qualquer indivíduo para correr, é fantástico.

8 comentários:

Zen disse...

Olá Ana.

De regresso e em força!

Ás corridas e aos "contos mistério" que nos obrigam a um trabalho de "decifração" desse jogo de ideias e emoções.

Sobrevivo neste blog como "contributor" espero não estar a faltar ao compromisso.
Bem e se um dia for "deletado" espero que seja por uma "boa causa". Não será por isso deixarei de meter aqui uma "colherada".

De facto estás com um visual "natalício e esse sorriso deixa advinhar coisas boas para ti e para todos os que estão próximos de ti nesta quadra ( especialmente para o "maramanjo" que está debaixo da manta, que presumo ser o Pai Natal ;-))

Bom Festas e o desejo de muitas felicidades ( e de muitas corridas e escrita no ano de 2007)

Unknown disse...

Ana

Ao ler o início, fiquei um pouco triste, depois os olhos começaram a consumir as linhas de baixo e o meu estado de satisfação voltou ao ponto normal. É bom saber que a Ana esta de volta, tenho que treinar bem duro para um dia conseguir passar por si numa Prova.

Anónimo disse...

Bom dia, Ana...

Adorei ler as tuas palavras, adorei saber que correste e que te sentiste bem!!!

Um enorme sorriso!

Feliz Natal.

Beijinho,

José C.

tornadocontrolado disse...

Estou sem a inspiração que nunca tive mas apetece-me partilhar o regozijo que é ver (só vo hoje) a alegria destas linhas.

Sei apenas que me vêm à mente palavras de J. Powell " Somos que espelhos uns para os outros".

Sei apenas que, ao ver este sorriso, quero também sorrir.

Sei apenas que esta prenda foi maravilhosa para os apanhados do forum e que vão fazer melhores treinos e melhores provas.

Boas Festas e BOa São Silvestre.

Maria Sem Frio Nem Casa disse...

Agradeço a todos os que aqui têm perdido algum tempo, quer a ler quer a comentar.

Zen: porque será que continuas "sobrevivente" e és o único que podes colocar aqui comentários sem a minha prévia aprovação?

Nestas brincadeiras da Net conheces-me desde o início, e sei que acompanhaste todas as histórias. As boas e as péssimas.

Sabes bem os verdadeiros atentados que o blog sofreu, mas sobreviveu,assim como eu, e tu (das pessoas que conheço e que se interessam por estas coisas - corrida, blogs, fóruns e afins))és dos poucos que merecem a minha confiança. E enquanto assim for, continuarás a ser um "Contribuinte"! Obrigada por tudo desde sempre Zen! PCGC para sempre!!!!

José C.: de alguma forma quase sempre presente desde algum tempo - um outro sorriso também para ti!

João Lopes "TornadoControlado" - parecem-me algo exageradas as suas palavras... mas quem sabe se sente mesmo o que escreve... Obrigada

A todos os outros agradeço também a de alguma forma "dedicação" que me têm prestado ao longo dos últimos tempos.

Zen disse...

Ana

Reconheço que temos coisas em comum (este inconformismo traduzido na vontade férrea de lutar, por vezes contra moinhos de vento; esta necessidade de "romper" com "verdades acabadas" nem que seja mentindo-nos; esta afirmação pela beleza, arte, jogo e simbolismo das palavras; de afirmar uma identidade por vezes forçosamente diluída num colectivo sem referências (de valores e tudo o resto)). Reconheço também que somos diferentes, em género, em condição, em atitudes enfim e em muitas coisas que alimentaram o prazer do debate de ideias, ontem, hoje e espero que no futuro. Lembro-me das acesas discussões nos PCGC, algumas em que estávamos claramente em lados do campo de batalha diferentes, outras vezes, aliados corajosamente defendendo causas. Saudavelmente isso ainda se passa por vezes. Felizmente entre nós existe um valor que tem mediado a nossa relação ao longo dos anos: o respeito e a admiração pelo valor do outro, reconhecido nas palavras que aqui escreveste. Assim desejo que continue por muito tempo.

DESEJO-TE UM NATAL FELIZ TRADUZIDO PELO SORRISO DA FOTOGRAFIA DA TUA MAIS RECENTE MENSAGEM.

E A TODOS OS QUE TE ALIMENTAM DE ESPERANÇA E AMOR.

tornadocontrolado disse...

Cara Ana
A questão não é a de exagerar ou não. Percebo que nestas linhas o contexto seja de exagero, mas o que realmente sinto na atmosfera do forum é de que há uma certa nostalgia ou qualquer coisa parecida pela fase que atravessou e que com as linhas das últimas mensagens houve um certo alívio.
Eu senti isto e, como disse, nem sequer sou a pessoa mais indicada para partilhar este sentimento, mas na leitura dos vários temas deste forum infere-se que muita gente se preocupa com a sua pessoa.
Portanto, deixo aqui as minhas desculpas por ter deixado a sensação de exagero mas pelo menos no que se refere às pessoas que escrevem neste forum estou convicto que partilho a sua opinião.

Bom Natal.

A mente manda o corpo obedece.

João Lopes

Maria Sem Frio Nem Casa disse...

João Lopes

Está desculpado, e desculpe-me também se lhe pareci "ofendida".

Muitas vezes ao comunicar-nos apenas com palavras (Comunicação é muito mais que palavras!)faz-se uma interpretação não muito exacta do que o outro quer dizer. Porque no fundo o que eu quis dizer com "exagero" era qualquer coisa do género: que importância tenho eu para quem quer que seja? Para que "até passem a treinar melhor?" Salvo amigos, que para esses sim, sou importante, mas esses são poucos João Lopes, e não os associo de forma directa ao fórum. Se do fórum nasceram alguns, hoje são Amigos simplesmente, independentemente de fóruns ou blogs. Sabem onde me encontrar e aparecem quando são precisos.

Desculpe-me se não me fiz ou se continuo a não me fazer entender...

Ana Pereira