Pesquisar neste blogue

domingo, 18 de março de 2018

Estórias que as casas nos contam


A fábrica e o tempo


O tempo passa de forma assustadoramente rápida. É tudo tão rápido. Rápido. Não deixa de ser irónica a palavra. Quando marca afinal uma paragem no tempo, neste caso. O tempo...Não sei mesmo se não foi ainda ontem que ouvi a sirene da fábrica a assinalar o fim do turno, pelas dezasseis horas naquela tarde cinzenta de Inverno e depois de desmontar a velha pasteleira na qual percorria a fábrica para controlar a salinidade dos tanques que me estavam atribuídos, ouvi quase em simultâneo o uivo do comboio rápido, desta vez demasiado insistente e assustadoramente perto, como se estivesse a competir com a sirene da fábrica, desafiando-a, a querer fazer-se ouvir mais alto, a avisar do perigo e a adivinhar a desgraça. Foi a última vez que aquela mãe e aquele filho o ouviram. O comboio e a sirene da fábrica. Naquela tarde triste e cinzenta de Inverno onde depois os bombeiros tiveram de recolher os pedaços dos corpos, da mulher e do menino, espalhados ao longo da linha por muitos e muitos metros. Até ao dia seguinte.
Assistímos a tudo. Eu e a fábrica. E ainda hoje, em certas tardes cinzentas de Inverno, em que a chuva miúda nos molha o rosto, exactamente pelas dezasseis horas, ainda ouço a sirene da fábrica e o apito do comboio, a urrar em uníssono e a lembrar a tragédia.








Sem comentários: