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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

"O que sempre quis dizer", "O politicamente correcto" ou "Os títulos em Portugal"

O telefone toca com frequência. Público variado. Apanha-se de tudo. Todo o tipo de pessoa. Todo o tipo de personalidade. Todo o tipo de carácter.

- Bom dia, (nome da empresa)... - responde a rapariga ao atender.
- Bom dia. Posso falar com "Fulano de tal"? - responde a voz do lado de lá.
- Com certeza. Diz-me quem fala, por favor?

Até aqui tudo normal, até à sequência seguinte do interlocutor:

- Engenheiro "Sicrano"

- Oh pá, está a conversa estragada! Desceu de nível completamente! ENGENHEIRO Sicrano?! Então o senhor engenheiro não sabe que não lhe fica nada bem, diria até que lhe fica muito mal e é de uma falta de classe tremenda se auto denominar por engenheiro, doutor ou lá o que for? Só tinha de dizer o seu nome, senhor engenheiro! E se faz questão que o tratem por engenheiro, porque afinal muito provavelmente até é, e para isso muito teve de estudar, supõe-se, então pedia à secretária, se é que a tem, ou à telefonista para lhe fazer a chamada e o anunciar, antes do senhor aparecer na linha! E ela sim, diria naturalmente e sem lhe cair nada ao chão "É o engenheiro Sicrano que vai falar". Agora o senhor se auto intitular engenheiro ao apresentar-se, é de uma grande falta de pedigree...

Claro que aqui a rapariga é apenas uma administrativa que mal acabou o secundário, mas já imaginou o ridículo da coisa se ao atender ela se apresentasse assim:  Fala a administrativa certificada com o 11º ano de escolaridade, fulana de tal" ?! É que é exactamente o mesmo tipo de resposta que o senhor engenheiro acabou de dar! Ridícula. O que vale é que pela voz, o senhor engenheiro parece ser um puto novo e ainda deve ter pouco traquejo nestas coisas, e se calhar nem é cagança mas ignorância, mas aprenda senhor engenheiro que eu não duro sempre: se auto apresentar como engenheiro é de uma grande falta de classe...

.../...

Claro que isto era o que ela queria ter respondido, mas que jamais responderá. E claro, politicamente correcta, saiu-lhe com a maior naturalidade a seguinte resposta:

- Com certeza, vou passar. - e já sem o interlocutor ouvir, dirigiu a palavra ao colega da secretária do lado - "M, é para ti, engenheiro Sicrano, (nome da empresa)." - e passou a chamada.

9 comentários:

Anónimo disse...

Boa noite

Olhe, daqui eh o Inginheiro Sicrano, para a informar que nao eh ignorancia. Eh mesmo cagança...

eheheh

bjs
Inginheiro

JoaoLima disse...

O país está como está muito por culpa da classe empresarial, onde só chega quem tem os ditos títulos e não por competência ou saber. Culpa-se o trabalhador da não competitividade, o mesmo trabalhador que no estrangeiro dá cartas quando é bem gerido. Aliás, se uma firma tem sucesso, o mérito é dado a quem a gere, se não tem, o desmérito é dos "malandros" dos trabalhadores que não produzem.
Só é alguém quem ostenta título, mesmo que seja um ignorante de primeira. Aliam-se na sua hipocrisia e desconstroem o Portugal de hoje.

Poderia aqui contar tão exemplos que presenciei, mas não vou perder tempo com gente que não merece.

Beijinhos Ana

S* disse...

Para a próxima aproximo-me como Mestre S*. tem muita pinta. :D

horticasa disse...

Eu por acaso também conheço muita gente cujo 1º nome é engenheiro, doutor, ou coisa parecida...
beijinho

Unknown disse...

Olá Ana;

Gostei deste teu texto. Portugal deve ser o país onde toda a gente é Dr./ Eng./ Prof Dr./ Sr. Dr.. Tristeza muita tristeza mesmo. Ninguém trata um sapateiro, ou carpinteiro, ou pedreiro, ou varredor, etc, pelo seu título profissional.

Está muito atrasado em mentalidades esse país. Na Holanda onde vivo as pessoas nem gostam que se trate pelo título, afinal não faz parte do nome da pessoa. As pessoas tratam-se sim pelo nome, tanto faz ser em qualquer segmento da sociedade. Todos são respeitados por todos.

Já agora, no grupo onde faço atletismo, existem de todos os extratos profissionais, desde calceteiros, engeneheiros, técnicos, pintores, administrativos, e todos se tratamos por tu e pelo nome.

Portugal tem muito a aprender....

Abraço dos Xavier's

Fernando Andrade. disse...

Um, grande viva a todos os engenheiros e doutores que comunicam com o comum dos mortais com o seu nome verdadeiro. Sem "cartões" nem "canudos".
Já me aconteceram estórias idênticas.
Beijinho, Ana.

Jorge Branco disse...

Uma mosca sem valor
poisa, c'o a mesma alegria,
na careca de um doutor
como em qualquer porcaria.
Autor: António Aleixo (1899-1949)
---------------------------------
Isso sim era uma resposta politicamente correcta mas de consequências desastrosas para quem a desse!
Beijinhos Pikena

Anónimo disse...

Ana deixo palavras do nosso amigo tartaruga:

Não queo saber o nome da tua rua
nem o teu estado civil
nem sequer o teu nome
ou qualquer tipo de estudos que tenhas feito.

Quero conhecer-te!

Diz-me: de que cor pintarias a semente
para inventar o novo mundo?

Que forma tem o berço da tua alma
onde procuram abrigo as tuas mãos
onde nascem de novo as tuas mãos?

António Bento in "Fragmentos"

Beijo e abraço do teu amigo corredor,
A. Fernando Almeida

.JOSÉ LOPES disse...

Olá Ana
Concordo com o texto e com a maioria dos comentários.
O valor das pessoas não se vê pelos titulos que ostentam mas pela sua capacidade.
Eu pessoalmente nunca gostei que me tratassem pelo titulo :):)
Bjs
Eng José Lopes :):):)