"A Mãe, Molly? Onde
está a Mãe, Molita?!" Ouço a Menina, a sua voz, clara e nítida como se
fosse hoje e eu estivesse aí agora, neste exacto instante, com vocês. Ouço-a
atentamente, como se ela me estivesse a atribuir uma tarefa importantíssima. E
estava: encontrar-te! Arrebito as orelhas e os meus olhos castanhos, com uma
expressividade única, com as minhas pestanas louras e o sobrolho a acompanharem
cada movimento ocular, procuram-te nas várias direcções possíveis, para de
seguida me levantar e começar a procurar-te com entusiasmo. E tu, escondida nos
locais mais prováveis e descobertos, e eu, pateta, passava por ti sem te ver.
Chamavam-me patetinha quando por fim eu te encontrava ou simplesmente, tu saías
do esconderijo quando eu demorava aquela eternidade, sem saberes que eu só
queria fazer durar mais a brincadeira, fazer durar mais o momento. Chamavam-me
patetinha, enchiam-me de beijos e festas e eu adorava! Brincadeiras nossas. e
eu morro de saudades delas, das brincadeiras. E vossas! Morro de saudades
vossas! Irónico. Como se eu pudesse morrer outra vez. Porque para vocês,
humanos, simples mortais, eu já estou morta e por isso não posso morrer de
novo. Mas vocês não sabem nada.
Morro de saudades, Mãe, tal
como tu morres, mas eu não gosto de te ver assim. Este é o teu momento. Vive-o
no seu esplendor! O teu momento...e como te ensinei, tu sabes que nada há mais
valioso que o momento. Momento presente. Como presente que é, com que a vida
nos brinda. Não o desperdices, Mãe. Fizeste-te forte e és forte, como o são todas
as Mães, mas não faz mal chorar. Admitir que foste derrubada, que foste vencida
pelo Cancro que me levou, e levou um pedaço de ti também, deixando marcas
inapagáveis como cicatrizes profundas. Não faz mal, assumires que te sentes
dilacerada, rasgada por dentro e que essas feridas ainda estão abertas e em
muitos dias ainda sangram.
Foram quatro meses muito duros,
em que fizeste o possível e até o impossível para o meu bem-estar. Com doses de
esperança difíceis de aceitar ou até compreender, sem tempo para desânimos ou
tristezas. Nem um segundo a desperdiçar. Vivemos cada momento desses quatro
meses, sorvendo cada instante como se fosse o último, sorvendo cada sopro de
que a vida nos permitiu usufruir. E como nós os aproveitámos, Mãe! Estiveste
sempre presente e deste-te por inteiro, como nem sabias ser capaz. Como te amo,
Mamã! Como te admiro e te amo por isso, Mãe! Foste o meu mundo, foste tudo para
mim, até ao meu último suspiro.
Agora, Mãe, continua a viver
por favor. É tempo de deixares que essas feridas, que insistes em manter
abertas, sarem de vez. É tempo de deixares de te maltratar, é tempo de te
cuidares, te amares e seguires. Mãe, não faz mal "morrer" de
saudades, mas continua a viver por favor. Por ti, pela Menina, pela Avozinha,
pelo Pipas, pelos gatos que invadiram a casa e até por aquele cãozinho que
precisa de ti e eu sei que o vais buscar, um dia, para a tua casa, para o teu
coração. Para aí, onde eu sempre estarei, no teu coração. Não podia ter tido
uma melhor Mamã. Continua o teu caminho. É o teu! Só te pude acompanhar,
fisicamente, uma parte dele, mas continuarei sempre aí, contigo, em espírito,
porque a vida é muito mais que matéria. E eu ficarei para sempre dentro de ti,
sendo parte de ti, transformada em ti, gravada em ti, pois se as nossas vidas
não se tivessem cruzado, serias tu outra pessoa hoje e eu outro cão. Mas não,
eu sou e serei sempre a tua Molly e tu a minha Mamã. E nada pode mudar isso e
por isso, eu continuarei viva, bem viva, entre vós, através e dentro de ti.
Molly, 26/05/2009-09/04/2021
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