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quarta-feira, 22 de abril de 2009

Uma mulher... uma história

Pode ter sido da vela esquecida acesa ou do cigarro mal apagado, deixado abandonado a arder no cinzeiro quando ela fora apanhada pelo toque do telemóvel e pela excitação de ver o nome dele na identificação da chamada. Pode ter sido um púcaro de leite esquecido ao lume quando ela vencida pelo cansaço se deixou adormecer na sala. Pode não ter sido nada disto ou pode ter sido até muito mais que isto.

A recente separação, num grito de coragem há muito abafado, de um casamento de mais de doze anos, mantido pela fachada e por interesses, quer sociais quer de outra índole, a dura realidade de uma hipotética e utópica independência, agora constatada com um emprego precário e uma filha pequena a seu cargo que ainda chora pelo pai, agora tão ausente como antes, podem ser causas tão ou mais plausíveis como as anteriores.

As contas por pagar, a comida para pôr na mesa, as guerras dentro e fora do tribunal, pelo poder paternal onde se esquece o paternal e busca apenas o poder, o maior poder de aniquilar e magoar o outro, esquecendo por completo o mais importante, as noites mal dormidas revendo problemas e projectando soluções na maior parte dos casos impraticáveis, também em conversas inúteis até quase de madrugada, com um amante casado, enchendo-a simultaneamente de esperança e de dor, e a dúvida acerca da sua própria capacidade de levar esta jornada escolhida para a frente: criar a filha sozinha, levaram-na a um estado de desgaste tal que se poderá facilmente compreender o descuido, se é que o houve.

Acordou a meio da noite, desorientada, no sofá da sala, com a filha aos gritos, um intenso cheiro a queimado e uma luz alaranjada crepitante e oscilante desenhando sombras gigantescas e assustadoras na parede do corredor, vinda da cozinha, e labaredas altas que consumiam já a cozinha inteira.

Foram chamados os bombeiros, a polícia e não há quaisquer danos físicos e visíveis em nenhuma das duas ou sequer da vizinhança que acudiu solidariamente não sem disfarçar uma censura muda transmitida em olhares acutilantes que a ferem como lâminas e espadas espetadas fundo no seu peito. Não tanto como umas outras que lhe trespassam não o corpo mas sim a alma e que se chamam culpa. Questiona tudo agora. A sua sanidade, a sua capacidade de tomar conta de si própria e da filha, o seu direito de egoisticamente ter acabado com um casamento que a fazia infeliz, quando sujeita a filha a privações e até a perigos graves como se está a ver.

Neste momento não se apercebe da mulher forte que é. Nem consegue conceber que o que aconteceu foi um acidente. Que a filha está bem, assim como sempre esteve nos seus dez anos de vida, e que isso se deve essencialmente a ela, sua mãe, que tantas vezes prescindiu da sua própria vida em prol da filha, e que agora, pensar nela própria e que lhe parece egoísmo, não é mais que pensar também na filha. Ela tem direito à felicidade. E lutar por ela… ninguém disse que ia ser fácil. Isso ela já sabe hoje, mas tem ainda muito mais a aprender. A levantar a cabeça e avançar.

Quem me dera poder ajudá-la… E talvez possa sim….

5 comentários:

joaquim adelino disse...

Ainda não existem padrões e modos de vida perfeitos e dificilmente existirão algum dia.
Algumas experiências de vida são traumatizantes e só a tenacidade e a vontade de viver para o bem da filhota têm-lhe permitido enfrentar com toda a dignidade esta forçada travessia do deserto.
Com coragem e também dedicação as barreiras serão derrubadas e ultrapasadas.
Um beijinho.

ana paula pinto disse...

Ana

Obrigada pelos votos de melhoras do Miguel. Está tudo controlado. Amigalite.
Mais um dia e fina fino como a seda:))

Beijinhos

(Não treinei "rien de rien", como seria de esperar. Isto promete:))

Mité disse...

Bonito Anuskinha
Momento de inspiração profundo !!!
Beijocas
TD

Zen disse...

Um momento de inspiração sim, e ainda por cima no feminino! Belo texto, onde o que parece ser iverosímil é afinal uma realidade partilhada por muitas mulheres no auge da "guerra das rosas" com filhos pelo meio( e neste caso não o é por pura coincidência).
A sensibilidade subtil das tuas palavras sem ( com) querer atinge-nos em cheio!
Força rapariga!
Eu como sabes ( porque gosto de ser do "contra") estou do lado daqueles que se disfarçam de "batman" para reivindicar direitos contra a chamada "ditadura do útero" ( que não garante o direito subliminar aos afectos, como muita gente quer fazer crer quando adjudica as expressões, "instinto maternal" ,"ter nascido dentro mim" entre outras, para reivindicar a maternocracia). Amar e educar está muito além da palavra Mãe. Aliás palavra que só tem propriedade quando consegue provir ambas as coisas.
Bjs

Maratona das Cataratas do Iguaçu disse...

Ana !
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