Lisboa, 25 de Abril de 2018:
Vialonga, 25 de Abril de 1977:
Corro desde que me conheço. E conheço-me há quase cinquenta anos.
Passam os dias e os anos, e sem darmos conta, a Vida.
Muno-me do que tenho e vou à 41ª Corrida da Liberdade em Lisboa. A 1ª vez que corri em comemoração da data faz precisamente 41 anos (em Vialonga, no "I Encontro da Juventude de Vialonga"), e hoje repito a "graça" pelas ruas da cidade onde nasci. Tantos anos depois, continuo a correr.
Comemoração da data... Agora e sempre: 25 de Abril, sempre! Nasci no regime fascista e vivi nele apenas 5 anos, o insuficiente para o sentir na pele de forma consciente, mas cresci a ouvir, não estórias, mas a ouvir a vida que os meus pais levaram, que os meus avós levaram. Cresci. O suficiente e suficientemente inteligente para defender o 25 de Abril acerrimamente. Nada paga a Liberdade. A Liberdade. De falar, de pensar, de estar, de ser!
E de forma singela, comemoro. Corro. Participo numa Corrida, verdadeiramente Corrida para todos! Evento simbólico, festa gigantesta que pára a cidade para cerca de 8000 pessooas (este ano), comemorarem nas ruas. Percursos para todos os níveis atléticos, para todos os bolsos (custo zero), para todas as idades e todas as classes. Desde que sejas de Lisboa, ou tenhas carro e gasolina no carro para te deslocares, ou se tiveres um amigo que te leve (que foi o meu caso) podes participar e ser elemento activo e fundamental nesta festa. Porque a Corrida da Liberdade é a festa da Corrida. Para todos.
Lembra-te as conquistas de Abril, nomeadamente no que à Corrida diz respeito,e cale-se quem o despreza (o 25 de Abril) que também os há por aqui, e se esquecem que antes, nem podiam correr assim nas ruas nem podiam desprezar em voz alta o que quer que fosse contra o regime. Ia dentro! Levava porrada no lombo e ia dentro! Hoje, censuram em voz alta e desprezam em voz alta, sem medo. Esquecem que só o podem fazer precisamente porque houve Abril.
Eu não esqueço. A História, que não é feita de histórias e historinhas mas que é feita da vida real das pessoas reais, e eu, conheço muitas e muitas, que viveram na pele o Regime Fascista.
Por isso,de forma singela, comemoro. Homenageio os capitães de Abril e respeito. Envergo e ostento ao peito, o cravo, símbolo vivo, e faço a Corrida toda com ele ao peito. Depois, já para o final, ergo-o no punho fechado, levanto o braço e selo com passos de Corrida e o maior sorriso que consigo esboçar, a Liberdade que Abril nos deu e as portas que Abril abriu. Só por isso vale a pena aqui estar. Só porque houve Abril, eu posso aqui estar. Só por isso, Abril valeu a pena.
Certo, certo, já sabemos que defendes Abril com unhas e dentes, mas a tua Corrida como foi?
Foi bem. Num panorama de escassez de participações em provas, esta, veio-me mesmo a calhar e a deliciar. Correr é bom. É muito bom. É magnífico. E correr é sempre um acto solitário. Tiras o maior proveito estando, não só, mas contigo mesmo! (e esses momentos rareiam cada vez mais: estar consigo próprio). Mesmo que haja ali uns tagarelas, que até te motivam, incentivam e apoiam, e picam e te façam correr mais e eventualmente evoluir, o benefício maior é (a meu ver) o proveito que tiras a correr só! Não obstante, gosto destes ajuntamentos, destas festas, deste reencontro de amigos, de falar, das risadas, da alegria partilhada e do convívio. E tinha saudades, confesso.
O carro é deixado nos Restauradores, assim como o meu pai, que nos fica a aguardar, e nós, os atletas, seguimos de metro para a zona da Partida. Já era tempo do Metropolitano de Lisboa se aliar a esta Corrida e permitir as deslocações entre a meta e a partida a custo zero. Mas porque raio, perguntarão! E claro, têm razão, estão ali para ganhar dinheiro. Querem correr? Corram! Agora querem andar de Metro, paguem! Claro que lhes é completamente indifente que EUR 1,95 possa fazer diferença na mesa de quem quer perticipar na festa à qual vai apenas porque a inscrição é gratuita. Prioridades, políticas e posturas de uma empresa, que só à própria dizem respeito, tendo o povinho no entanto o direito de opinar, como é agora o caso.
Na Pontinha, há já um aglomerado de gente. Levantar dorsal é fácil e mesmo quem não estava inscrito passa a estar num segundo. Muitas caras conhecidas, amigos também. Bom rever. Mais alguns colegas de equipa e depois, uma ida à casa de banho e nunca mais vejo a minha equipa. Nem foto em frente ao quartel tirámos, onde no 25 de Abril de 1974, há 44 anos atrás portanto, o Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas esteve instalado e a partir de onde, dirigiu todas as manobras da Revolução dos cravos.
Vejo-me só. Ovelha tresmalhada. Tudo normal portanto. Não deixo de tirar a foto da praxe, apesar de só, em frente ao Quartel do Regimento de Engenharia 1, local absolutamente histórico. E de cravo ao peito, bem junto ao coração que bate, misturo-me na multidão, e depressa se dá a partida.
Adoro correr por estas ruas. Por esta cidade onde nasci. De cravo ao peito. O ritmo é controlado e o objectivo é simplesmente mantê-lo e chegar ao fim sem ter de caminhar. Algum público e sempre uma ou outra ovação ao 25 de Abril a encher-nos de orgulho e gratidão e a dar-nos mais força para continuar.
Há abastecimento de água sensivelmente a meio da prova. O trânsito está totalmente cortado por onde corremos. em completa segurança.
Chegar ao Campo Grande, descer para Entre-Campos, Campo Pequeno, Saldanha, Marquês de Pombal e entrar na Avenida da Liberdade, ladeada de verde, é absolutamente fantástico. Agora, podemos soltar as pernas e só agora é realmente a descer. Embalo o que posso e busco o meu pai com os olhos. Levanto o braço, de cravo em punho e corto a meta feliz, só depois de o avistar.
Há algum congestionamento na chegada e o escoamento dos atletas faz-se lentamente e com alguma dificuldade. Saimos depois dali, com mais uma garrafa de água e uma t-shirt de algodão. Reuno-me com os amigos, alongo e regressamos a casa.
Por ali, nos Restauradores, a festa continua. Não se esquece Abril. Não se perde Abril. E não se pode esquecer nem perder Abril!
Para o ano, lá estarei de novo.
Obrigada a todos os que mantêm este evento megalómano de pé e desta forma permitem que milhares possam comemorar Abril a fazer o que tanto gostam: Correr. E é bom acreditar e lembrar que a Corrida, deve ser como o Sol quando nasce: para todos!
Corri a distância aproximada de 10,800 Km e demorei 1h02m para o fazer, com esforço, controlado, bem gerido e muito prazer.
Fotos da 41ª Corrida da Liberdade:
Pelo Zé Gaspar, AMMA - Atletismo Magazine Modalidades Amadoras
Por Luís Duarte Clara, Album 1, para ver aqui
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Album 2, para ver aqui
Por MB Run&Photo, Album 1 para ver aqui
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Album2, para ver aqui