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sábado, 30 de abril de 2016

Trail de Montejunto, 24 de Abril de 2016


Há sempre uma infinidade de possibilidades. Em cada dia que nasce. Em cada madrugada em que por felicidade ou desespero, voltamos a despertar do sono, inconsciência inútil (do ponto de vista de estarmos a desperdiçar a Vida enquanto dormimos, dirão os mais entusiastas, embora necessária e imprescindível para o nosso descanso e bem estar), ou pelo contrário uma silenciosa e deliciosa dormência, docemente apaziguadora e libertadora.

Podemos esconder-nos, destruir-nos devagar ou depressa, e ainda assim subsistir, firmes embora frágeis. Podemos abandonar-nos e desistir por completo ou ao contrário da percepção de olhos alheios desconhecedores, continuar de pé, seguir em frente em lutas ganhas em dolorosas e árduas batalhas. Vivos.


Trail de Montejunto, 24 de Abril de 2016

Só porque me levaram. A Maria, sim a Maria. O seu entusiasmo levou a que me inscrevesse. Ela iria caminhar e eu correr. Correr...ironizarão alguns. Pois, o Trail na minha óptica é correr sempre que posso, e caminhar sempre que o desnível ou a dificuldade técnica assim me exijam. E não me importar com isso. É gerir o esforço e usufruir. Da Natureza, da Terra, do Céu, de mim mesma e da preciosidade do meu corpo saudável, da Vida. É interiorizar o que me rodeia, é fazer parte desta Terra. De saber o meu lugar. É respeitar. É resistir. E usufruir. Usufruir ao máximo. É isto o Trail.

A prova, tinha a versão de Caminhada e um Mini Trail com a mesma distância (9Km), um Trail Curto, com 21 e a prova maior com 38. Desnível acentuado e tinham os 21 (a minha prova), cerca de 1200 m de acumulado positivo. Mesmo sabendo da escassa preparação alinhei na Partida dos 21.

A prova é dura, mas a Serra de Montejunto, implacável, deslumbra-nos com a sua magnitude e beleza. Pedra, muita pedra. E verde. 

Sozinha, depois reencontro o Juca e o Jorge, ficando este para trás pois parecia estar (ainda) pior que eu. Faço o resto (certamente mais de três quartos) da prova com o Juca. O nosso ritmo estava muito idêntico (ou o Juca disfarçou, mas acho que não) e seguimos na conversa quando o fôlego não faltava, a trote e a caminhar também.

Subir ao ponto mais alto da Serra de Montejunto (660 metros) é maravilhoso. Tudo o que nos rodeia a lembrar-nos de como somos pequenos diante da imensidão do mundo. E ainda assim, podemos fazer tanto.

O tempo está bom. As nuvens que cobriam a Serra ao início da manhã depressa se dissiparam e a prova decorre sob um Sol primaveril. Há imensas flores espalhadas pela Serra. Há verde e há pedra, muita pedra.

Os abastecimentos são perfeitamente ajustados ao desafio. Poderiam melhorar? Poderiam. Mas não encontro neles razão de queixa. Relembro que o meu desafio era "só" de 21 km.

Vamos avançando no terreno, passamos muito perto do local da Partida/Chegada (junto ao Quartel) e seguimos. Só me ocorre pensar que a Serra de Montejunto é muito bonita. Como achas todas as Serras e Montes diria uma amiga, depreciando a ideia. Talvez, talvez o sejam, mas esta é onde estou hoje e sinto-me maravilhosamente bem. Sim, mesmo apesar do peso que carrego e das dores no calcanhar. Parece que me arrasto penosamente, dirá facilmente quem vê. Talvez sim, o corpo, mas a alma vai tão leve como esse passarinho que esvoaça bem perto das nossas cabeças.

Termino a prova e corto a meta com 20,610 Km percorridos em 3h59m14s. Fui o 167º atleta a cortar a meta de um total de 187, de acordo com as classificações que podem ser vistas aqui, no site da Organização.

O meu pai sempre presente dá-me alento e a Maria, que "me levou" a ter esta manhã fabulosa, lá estão na meta. Não sei se lhes agradeço claramente. Mas estou grata. Muito grata por os ter. Ali e na minha vida.

Há que tomar banho numas instalações inundadas e de água bem fresquinha. Depois, temos o almoço, incluído na inscrição. Muito bom. Frango assado e acompanhamentos.

Por essa altura aparece o Magro. Amigo que tinha partido para a prova grande mas que acabou por a encurtar que o corpo nem sempre nos responde como queremos ou como até pode estar preparado para tal, mas tem os seus dias e as suas condicionantes. Fico contente por o ver, um pouco triste por ele tão ter acabado a sua prova mas feliz por o ter ali. Come-se, convive-se e está na hora de partir. Uma manhã muito bem passada, resumidamente foi o que foi.

Além de tudo isto, a Organização pediu um contributo (leite e bolachas) para o projecto Lancheira Escolar, que visa ajudar as crianças carenciadas do concelho de Alenquer, o que é sempre de realçar e valorizar, e conseguiu uma boa recolha.

Parabéns à organização e a todos que tornaram possível este evento proporcionando nesta manhã uma vivência espectacular a centenas de pessoas e que já tem data para a próxima edição: 23 de Abril de 2017, conforme anunciado no facebook da prova, aqui

Vamos lá outra vez?



























A minha prova, versão Trail Curto, pode ser vista aqui, registada pelo Strava

FOTOS:


terça-feira, 19 de abril de 2016

Mais um treino madrugador

Está escuro. Pinga lá fora. Espera! Chove torrencialmente por alguns minutos. Não está frio. Está até uma temperatura amena. E quando a chuva pára, há uma tranquilidade e serenidade contagiante, a infiltrar-se em nós, invadindo-nos e ocupando o espaço antes ocupado por intrusos pensamentos e emoções. Como se a estrada, os caminhos de terra, as árvores, os arbustos, as pedras, tudo, incluindo o próprio céu e até nós, as pessoas, tivesse sido lavado. Purificado. Por fora e por dentro. Como um baptismo repetido mas sempre aquela sensação como se fosse a primeira vez. E é. A fazer valer a velha frase que hoje é o primeiro dia do resto da nossa vida. E é. É esta a sensação de correr à chuva monte acima e monte abaixo às cinco e meia da manhã.

Amanhece e a escuridão dá lugar ao nevoeiro. Os corpos fumegam sob a luz dos frontais. Árvores fantasmagóricas e uma coruja entre elas. Os sustos. As risadas. A lama. Os "salto-alto" e os corpos a bombalear-se para tentar manter o equilíbrio enquanto avançam. As mãos no chão. Os pequenos golpes nas mãos do lixo das obras que outros seres ali despojam como se milagrosamente pudesse desaparecer. Os ténis novos e as bolhas. A Natureza e o respeito de uns e o desrespeito de outros. O trilho fechado por teias de aranha. O trilho perdido e achado num ápice. Este acordar no Monte...tão bom...

E assim se passou 1h15m e se percorreu cerca de 9 Km. Tão bom...




sexta-feira, 15 de abril de 2016

O Treino no Monte

Hoje não há fotos para documentar. Para exibir sorrisos ainda mal o dia nasceu e apregoar ao mundo: "Ei, malta! Eu corri! Eu corri! Eu corri!", como se o acto fosse extraordinário. Nem para meter inveja aos que ficaram em casa apenas por preguiça e agora se roem ao verem o que perderam em troca de 2 horas de inconsciência, supondo que dormem quando não saem da casa às cinco da manhã para ir treinar.

Mas houve treino. Houve conversa. Houve sorrisos. Houve suor a escorrer pelo rosto. Houve lama. Houve eólicas. Houve cheiro a estrume. Houve casas abarracadas adormecidas mas estranhamente iluminadas e ferozmente defendidas por assustadores canídeos. Houve o Monte ao longe coberto por uma nuvem carregada a esconder-lhe o cume. Houve amizade e companheirismo, especialmente fortalecido por sermos tão poucos hoje. Houve medo. Houve a sensação de solitude apesar de não estarmos sós, ou precisamente por não estarmos sós, por várias vezes temi reviver e representar com autenticidade umas das cenas mais famosas do Scooby Doo, que diante do "perigo", salta para o colinho do amigo. Só não sei onde estava o perigo ou o que era o perigo, mas o medo, com doçura roçou-me várias vezes as faces enquanto a brisa morna me apaziguava como uma carícia de mão quente e forte que nos transmite segurança. 

Senti falta da balbúrdia de muita gente. Da algazarra. Da companhia e da diversidade. Mas este treino, foi ele também, muitíssimo bom! Um bom acordar sem dúvida! 


Percorremos 10,240 Km em  1h12m   

quinta-feira, 14 de abril de 2016

10 anos


Faz hoje dez anos que nasceu a Maria Sem Frio Nem Casa. Muita tinta correu desde o dia 14 de Abril de 2006, dia em que nasceu este blogue, fruto de muitas emoções e sentimentos vividos em turbilhão, em risco de asfixia dentro de um corpo só. Correu tinta, correu água, correu sangue e suor e muito correu a Maria também.

Muitas fases da vida reflectidas num espelho de forma mais ou menos distorcida, simulação de ficção a ocultar o real. Nem sempre compreensível, nem sempre assimilável e muito menos adorável. Fingindo, como O Poeta (*). E a Maria continua a escrever. Mantendo viva a roda, mantendo vivo o coração e mantendo-se viva ela, na complexa engrenagem. E para isso e por isso corre e por isso escreve. E dez anos se passaram. Convosco e... sozinha. Escrevendo e correndo. 





E a Corrida continua. E o caminho faz-se. Em "passos largos de dança"(**) ou apenas numa harmoniosa e confortável caminhada. Até quando, perguntam. Até sempre, por certo.

"Enquanto houver estrada para andar..." (***), ela vai continuar.




(*) "O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração."


Fernando Pessoa

(**) António Manuel Ribeiro, UHF

(***) Jorge Palma, in "A gente vai continuar":