Meia Maratona da NazaréA Sombra
Não sou mais que uma sombra.
Faço a Meia Maratona e pelo caminho cruzamo-nos com amigos que saudamos com gosto e que assim insistimos em chamar para nos iludirmos que os temos.
Excepção feita ao meu amigo António Pereira, que não por casualidade, me acompanha mais uma vez, do princípio ao fim da prova. Da partida à chegada. Obrigada António!
A prova inicia-se com a alegria vulgar, pois já vulgar é a alegria, não por ser frequente mas por ser ineficaz um segundo depois.
Os dois primeiros terços da prova são feitos com travões metidos (obrigada outra vez António), e depois como me sinto razoavelmente bem, deixo de ir tão devagar. Ai tenho a ilusória mas vertiginosa sensação de ultrapassar dezenas de atletas que parece que estão parados. Bem, ainda assim, apesar da nossa estonteante velocidade, houve outros que nos passaram…
Apanho a Estela dos Flecha. Pergunto-lhe pelo António Pinho que ainda não se tinha deixado ver:
- O Pinho está para a frente ou para trás?
- Está para a frente – diz ela – se esticares um bocadinho ainda o apanhas.
Esticar… Não estava assim tão bem para esticar e ainda faltavam uns sete ou oito quilómetros. Mas estiquei até apanhar o Pinho!
A dois passos dele (que ainda me foi difícil alcançar depois de o avistar), tenho o prazer de lhe dizer:
- Sr. António Pinho! É chamado à cabine de som! Onde pensa que vai?!
Acho que ficou contente de me ver e instiga-me a ir para a frente. Mas o passo dele era bom e não ia arriscar passá-lo para depois ser passada dentro de poucos quilómetros ou mesmo metros. Vamos com ele. A passada é boa e viva. “Tomara a mim mantê-la”, penso. O António Pereira vai à vontade, mas eu e Pinho temos quebras alternadamente, mas houve um esforço (de ambos) e nunca descolamos. Seguimos os três.
Talvez a uns quatro quilómetros da meta, o sol está precisamente nas nossas costas pelo que corremos com a nossa sombra à frente. Ali vão. Três indivíduos, três sombras.
Não desgosto da minha sombra. Talvez pelo ângulo do sol, a minha sombra não é tão gorda quanto eu. E dou por mim a gostar da minha sombra. “Já é um começo”, penso, mas depois comparo com as sombras deles. A do António Pereira mais à frente, como se ele fosse mais alto e não é), e a do Pinho por vezes a baixar-se no alcatrão como que a deixar-se ficar . Depois voltava a alinhar a sombra com a minha.
O Porto da Nazaré ao nosso lado, O mar ao nosso lado. E a sombra à frente, sempre uns passos à nossa frente. Inalcançável. Quando me calo depois de tentar puxar pelo Pinho mais uma vez, fingindo estar eu muito bem, olho de novo para a sombra e constato que só eu sou sombra. Eles são reais. Eu sou só uma sombra do que já fui e do que poderia ser.
Terá o sol de mudar de posição? (Bem que posso esperar, não é?) Ou deverei eu posicionar-me de forma diferente? Parece-me que a segunda opção é a mais inteligente.
Chegamos à meta os três juntos!
1h58m00s! Mais 10 minutos que no ano passado... Mas gostei! E muito!