"Preciso de escrever
uma carta à Molly". Levantou-se da mesa e dirigiu-se assim ao escritório,
resoluta, como se escrever uma carta à Molly fosse uma natural e urgente
necessidade, como quem vai ali à casa de banho, ou vai ali desligar o forno,
acto que caso não fosse feito, algum resultado terrível e irrecuperável se
manifestasse... Mas é assim que é sentido. E se assim é sentido, assim é
vivido. De outra forma, a vida é uma farsa e isso não é para o nós.
Querida Molly
Não imaginas como a vida aqui
sem ti continua. Sabes? Temos agora dois gatos! Dois seres maléficos e
satânicos, como o são todos os gatos, que a menina fez o favor de trazer cá
para casa...Ah, é verdade, ainda conheceste o Timmy Boy, esse anjo revelado
mais tarde, um amor de gato, que chegou escanzelado e tímido, de olhos verdes e
grandes, a preencher-lhe grande parte do focinho, como lanternas acesas, que
assistiu a tudo. À nossa luta, às forças resgatadas de lugares desconhecidos
até ali, à esperança desgastada, à tua partida, à morte, à tristeza disfarçada
de aceitação, à dor fingida de resignação. Revelou-se um anjo, o meu Timmy, um
verdadeiro anjo, que tem uma compreensão muito para além do compreensível.
Olha-me e ele sabe e eu sei. Não precisamos falar. Ele ensinou-me a gostar de
gatos, imaginas isso Molita? Eu?! Gostar de gatos?! Pois o Timão
conquistou-me... Mas para além deste bicho, a menina trouxe também, passado
pouco tempo de tu partires, a Olívia, uma desmiolada, uma destravada, uma gata
sem juízo nenhum, uma filha rebelde, com tudo o que sempre me fez detestar
gatos. E no fundo ainda detesto, sabes? Mas a Olívia, para além desse diabrete
à solta pela casa, tem também uma faceta singular. Muito singular. Fala comigo!
Fala! Juro que fala! E depois, claro...conquistou-me também. Talvez eu tenha um
coração de manteiga. (não tenho!!!), mas esta miúda, completamente destravada,
é como uma filha rebelde. Desafiadora, sempre a testar-nos e a medir forças.
Teimosa, difícil, que dá luta e nos obriga a nunca baixar os braços, se a
quisermos educar. E nós queremos e jamais desistiremos, por muito trabalho que
dê! Como um filho! Mas depois...depois, quando ela fala comigo, eu derroto-me
completamente. A sério Molly, nunca pensei que um estúpido gato pudesse
fazer-me sentir assim, sentir isto. Amor.
É...por aqui muita coisa mudou
com a tua partida e uma delas foi a invasão da casa por estes dois felinos.
Ocuparam. O espaço, o tempo, os pensamentos. As mãos em tarefas e afagos. Ajudaram-me.
A estar ocupada. Claro que não têm nada a ver contigo! Nada! E nunca
jamais te "substituirão". Um Cão é sempre um Cão e eles são só dois
gatos. Mas esta ocupação, confesso e admito, tem-me ajudado a continuar a viver
sem ti, admito perfeitamente. Mas tu meu amor, tu estás cá sempre e para
sempre. Sabes? Eles por vezes vão-se deitar nos teus lugares preferidos da
casa, e sabes, por vezes até adoptam as tuas posições, o que não me parece nada
normal num gato, mas juro que até se parecem contigo. Claro que os lembro
sempre num tom fingido de repreensão "esse lugar é da Molly!" O teu
"lugar" jamais será ocupado! Porque tu, meu amor, és inesquecível,
única, eterna dentro de mim, e de mim para fora, nunca te esquecerei e estás
"cá" sempre e para sempre! Nem sei mesmo se algum dia conseguirei ter
outro cão...as comparações serão inevitáveis e talvez inaceitáveis e
insuportáveis...E o "pobre novo cão" não terá culpa nenhuma...Agora
gatos...perfeitamente! São "só" gatos, afinal de contas.
Olho para o calendário: 9 de
Outubro de 2021. Faz exactamente 6 meses que partiste para parte incerta. Já
não te procuro pelos montes e vales que palmilho afincadamente, ora a sorrir
ora a conter lágrimas. Encontro-te segura, serena e feliz, onde sempre
estiveste e sempre estarás: no meu coração.
Até já Molito!