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domingo, 30 de setembro de 2007
Caminhos: Desistência ou Opção?
Olhem! O que vedes vós? Mas olhem! Sereis vós capazes de Ver? Que vedes senhores?
Faltam 19 dias para a Maratona do Porto... e muito provavelmente, eu não a irei correr, pois tenho caminhado e corrido muito numa outra estrada, de árvores ladeada, com sombras frescas e cantos de pássaros. E sabem? Gosto deste caminho, mas ele não me leva à Maratona do Porto 2007.
domingo, 23 de setembro de 2007
I Meia Maratona Sport Zone - a minha prova
Sozinha sigo entre eles num lugar à janela. Muita gente já enche a rua, e de repente avisto um sujeito lá fora, jovem ainda mas com ar quase que diria envelhecido, caminhando sozinho calmamente à beira rio, de mãos atrás das costas, numa atitude reflexiva que emanava uma reconfortante paz e serenidade, quiçá aparente. É o meu amigo Joaquim Margarido!
Mal o autocarro pára, estão ainda a reunir os atletas potenciais vencedores, para lhes darem últimas instruções, já eu corro na peugada do Margarido. Apanho-o e aqueles minutos serenos com ele à beira do Douro, conversando e caminhando enquanto a névoa dava definitivamente lugar ao sol, fizeram-me muito bem!
Está quase na hora da partida e posicionamo-nos de acordo com o nosso nível atlético: bem lá atrás para não estorvar ninguém. Encontro o meu amigo Fonseca, que já muitas vezes me acompanhou em diversas provas. Pensamos seguir os três. O tiro é dado e dá-se início ao passeio. Sim, porque correr naquele percurso é um privilégio. As margens do Douro, o rio, as pontes, as pessoas, a cada passo éramos constantemente presenteados com belíssimos cenários. Como o Porto é uma cidade bonita, vista debaixo de suor e dos nossos passos encantados, procurando um fim, mas desejando que não chegasse.
O Margarido acaba por ir para a frente e sigo com o Fonseca, que me vai rebocando em momentos menos bons, porque os houve, de título e responsabilidade absolutamente pessoal.
Passar a Ponte D.Luís, Vila Nova de Gaia, até à Afurada. Voltar. Passar de novo a mesma ponte, voltar à do Freixo e retorno, para agora sim, corrermos para a meta, sempre sem tirar os olhos e o coração do rio, esse leito que se oferece para correr nele a água conduzindo-a ao mar, e hoje nas suas margens corremos nós, conduzidos até onde quisermos ir, pois este rio leva-nos.
Vozes conhecidas no público. Prazer em rever e não parar pois o risco da impossibilidade de recomeçar é grande.
O corpo já não o sinto, e corro apenas com os olhos e com o coração. O corpo, simplesmente o atiro para a frente! Um passo, outro passo, sem perder o ritmo de corrida, por mais lenta que fosse. Os olhos no mar, como o rio que corre. E sem dar pelo tempo, cheguei lá. À meta, onde me colocam uma medalha ao peito. Soube bem!
Fiz 2h09m26s. Uma péssima marca, até para mim! Mas que importa isso? Sim, importa alguma coisa. Mas e o resto? Que me deu esta corrida fabulosa? Não, não o consigo colocar em palavras, que são demasiado frias e simples e cruas. Não, não consigo dizer o que sinto, mas de uma coisa tenho a certeza: Valeu a pena ter ido, valeu a pena ter corrido, e voltarei sem dúvida!
Os meus dois dorsais, que fui "obrigada" a usar:
Resultados da prova em: http://www.runporto.com/MEIA_maratona.htm
1ª Meia Maratona Sport Zone – 23 de Setembro de 2007
Com uma organização exemplar, festejou assim a Sport Zone o seu décimo aniversário e brindou todos os presentes com a competência a que a Runporto já nos habituou.
A prova contou com um bom leque de primeiros planos internacionais e nacionais, mas nem por isso revelou qualquer desprimor para com o atleta de pelotão.
Perto de 1000 atletas completaram a meia maratona e cerca de 11.500 participaram na Mini, não havendo qualquer atropelo no desempenho dos atletas.
Teve esta prova a particularidade das inscrições gratuitas para a Mini/Caminhada, e de ainda assim, por cada inscrição, ser oferecido o valor de Eur 0,50 à Casa do Caminho, instituição particular de solidariedade social que acolhe crianças em perigo, vítimas de maus-tratos e outras formas de violência, o que totalizou Eur 6.250,00.
Facilidade de inscrição e levantamento de dorsal apenas até à véspera da prova, o que se justifica perfeitamente tendo em conta o número de inscritos.
Transporte dos atletas do local da chegada para a partida, que se deu a horas e de forma animada e ordeira.
Um percurso maravilhoso para se obter boas marcas, perfeitamente sinalizado, com o trânsito integralmente cortado, um apoio popular muito grande, muita animação pelas ruas, excelentes e suficientes abastecimentos, uma chegada magnífica para todos os atletas com um espaço muito agradável constituído por bancos, relva e sombra, um bonito medalhão que é colocado ao peito dos atletas (um pormenor que faz diferença), 2 t-shirts e muita água e isotónicos.
Classificações disponíveis pouco depois da prova terminar.
Dos escassos reparos que se possa fazer e pontos que se poderão melhor, refiro apenas a falta de um bom serviço de fotografia que esta prova merecia pelas esplendorosas paisagens que oferece a cada passo, ponto este que em meu entender tem um valor perfeitamente secundário.
Desta forma está a Sport Zone como entidade dinamizadora do desporto para todos, e a Runporto, de parabéns, pois esta, uma vez mais demonstrou ser capaz de mover uma engrenagem de gigantes, de forma a transformar uma corrida de estrada numa festa magnífica onde o desporto é muito mais que competição.
sábado, 15 de setembro de 2007
317
"Exmo(a) Atleta, ANA PEREIRA
A sua inscrição encontra-se devidamente realizada na prova,
EDP MARATONA DO PORTO / EDP PORTO MARATHON
Poderá imprimir este comprovativo para proceder ao levantamento do seu DORSAL.
317 "
E já só faltam 35 dias.
quarta-feira, 12 de setembro de 2007
A minha MEIA DE S.JOÃO DAS LAMPAS
Seguiu sozinha no carro. Uma viagem curta. Nada de especial. Atravessa o Tejo e asfixia-se no IC19, para sair em direcção a Mafra. Aos poucos a paisagem liberta-se e liberta-a. Vai-se afastando da cidade. Indústrias ainda, mas cada vez há mais ar, mais espaço. Terra de mármore espalhado pelos campos e o rural vai-se manifestando em cada tabuleta que nos segreda baixinho “S.João das Lampas”. Seguiu a voz e cada vez vai entrando mais noutro mundo. Outras terras, vidas, ares, gentes. Adivinha-se o mar no horizonte, e as casas brancas e baixas acolhem-nos. Faz-nos bem ir a S.João das Lampas.
Chega. A terra está adornada e há um bulício especial no ar. Estaciona numa rua sossegada ainda e fica momentos em silêncio no carro, respondendo a perguntas que o seu inconsciente lhe veio fazendo durante o caminho. As respostas eram claras agora.
Sai do carro e procura gente. Passa invisível por minutos mas depressa amigos e conhecidos encontra. Beijos, abraços (alguns contidos, pois a timidez e o preconceito e sei lá mais o quê continuam a impedi-la de verdadeiramente mostrar o que sente), saudades, verdadeiro e sentido prazer em rever! Tanta gente!
Não vou mencionar ninguém pois todos são importantes, e certamente não ia conseguir mencionar todos. Reconhecem a importância do “Bom dia” que o homem do café nos dá? Ou daquele atleta que nos aperta a mão e se alegra por nos ver? Daquela rapariga que não se via há anos e nos faz uma festa, que retribuímos espontaneamente?
S. João das Lampas foi isto. Senti-me em casa, e logo eu que não tenho casa. Talvez por isso desde há três edições que lá vou consecutivamente.
As únicas pessoas que vou hoje aqui destacar, sem menosprezar quaisquer outras, são o Orlando Duarte e a sua esposa, Leonor Duarte, pois naquela tarde só confirmaram o que eu já sabia: são pessoas extraordinariamente bonitas!
A Leonor hoje não ia correr. O Orlando dispôs-se a acompanhar-me, o que me assustou um bocado pois sabia ser bastante difícil para mim fazer o tempo que ele propunha: entre 1h50m e 1h55m. Posto ao corrente não se demoveu e fez a prova toda ao meu lado, ou antes, à minha frente para me ir rebocando nos momentos mais críticos. Graças a ele fiz só 2h02m38s, apenas uns segundos a mais que no ano passado.
O percurso:
O apoio do público, as palavras, as palmas, os olhares e os sorrisos. As subidas a mostrarem-nos campos a perder de vista, e sempre o mar que se adivinhava lá longe. O ar puro. O cheiro a esterco fresco, um mimo para quem trabalha no centro de Lisboa e raro é o dia em que o cheiro a esgoto e aos passeios imundos de toda a espécie de porcaria não nos invade as narinas.
As voltas e passagem por S.João das Lampas, onde de novo vemos os amigos que lá estão para nos apoiar. E como apoiam!
A Leonor, linda, a gritar-nos força, segurando a Fiona e o Cadete com as trelas. Tão bonita a Leonor!
Como as pessoas ficam bonitas simplesmente por aquilo que são!
A animação ao longo do percurso. Um órgão, um amplificador, um homem e um microfone. A cantar “Sex Bomb!”. O Orlando refrescava-se em cada chuveiro, parou para balancear o corpo ao som da música, as pessoas a aplaudir e eu, só sorria e corria como podia, pois se parasse temia não conseguir voltar a mexer-me.
O Orlando falava pausadamente, com a serenidade e sensatez que lhe é típica. Eu, tentei conversar mas o fôlego nem sempre mo permitiu. Correu junto a mim fisicamente mas não esqueceu a Ana Paula Pinto que deveria de estar aqui, nem a sua filha que partiu cedo demais. Lembrou-nos isso, e trouxe-nos o pensamento à luz do dia.
Fomos parceiros solidários, no esforço da corrida, no pensamento em conjunto. E também contra o trânsito, nós e outros atletas, quando o perigo de abalroamento se fez sentir demasiado perto.
Nestas duas horas que a prova durou, vi como o Orlando é bonito, a sorrir, a conversar, os seus olhos a brilhar, nitidamente pelo prazer que lhe deu o que estava a fazer, e eu acho que nunca tinha reparado.
Depois de o termos ultrapassado, o “nosso” Avó Cantigas (Carlos Vidal) volta a apanhar-nos e ainda conversamos um bocadinho sobre um fabuloso CD dele com uns 4 ou 5 anos de edição, que por casualidade tenho neste momento no carro e passa todas as manhãs e tardes a pedido da minha filha, mas ele pouco mais disse que anunciar o seu último trabalho.
O Orlando ainda sugeriu cortarmos a meta juntos. Que seria uma honra para nós. A minha Mafalda adoraria uma foto dessas: a mãe a cortar a meta ao lado do Avó Cantigas. Não faltava mais de 2 ou 3 quilómetros, mas suspeito que o facto de ao comentário dele “admira-me a sua menina não pedir para comprar o último CD, é um sucesso!”, a minha resposta ter sido:
“Bem, não somos propriamente fãs, aquele CD foi-lhe oferecido tinha ela uns 6 anitos, está um espectáculo, traz o livro e as pautas, está bestial, as letras também são suas? Algumas são simplesmente lindas! Mas nem tinha conhecimento desse novo CD”
Ao que ele respondeu:
“Não, as letras são de Isabel Lamas que já faleceu. Mas admira-me a menina não pedir para comprar o novo. Está a ser um sucesso, o Fantasminha …“não sei da onde” – já não me recordo o que ele disse.
o fez esquecer a honra que nos daria cortar a meta com ele.
A partir desse momento a conversa acabou. O Avó foi para a frente e eu não tive pernas para o acompanhar. Gostaria muito de ter cortado a meta com ele. Não por mim, pela Mafalda.
O Orlando manteve-se comigo. Amigo é amigo. Com ele os quilómetros passaram mais depressa.
Chegamos juntos, paramos os cronómetros e a organização brinda-nos com mimos. Foto à chegada para além de muitas outras durante a prova – um serviço da AMMA. Palavras e sorrisos. Felicitações, preocupação se estamos bem, e vão-nos enchendo um saco com imensos produtos alimentares regionais, para além da muito bonita medalha e da t-shirt. Água e bebida isotónica não falta, assim como não faltou nos abastecimentos.
O cuidado para connosco atletas foi de 5 estrelas! Estou um bocado abananada e querem-nos fotografar. De medalha ao peito. Na ausência momentânea de algumas faculdades físicas e mentais, a querida da Leonor segura-me nas coisas e o Orlando remexe-me no saco para retirar a minha medalha e coloca-me ao peito!
Recordo-me de lhe ter dito:
- Cuidado, não me parta os ovos - os ovos, fazem falta lá em casa.
Obrigada Orlando Duarte e obrigada Leonor Duarte. Para além de tudo o resto, vocês especialmente fizeram a minha tarde mais feliz, com muita emoção.
Por tudo isto, sempre que me seja possível, pela forma como S.João das Lampas nos recebe, voltarei lá sempre! Não tenho dúvidas disso. É uma prova onde, desde que conheci, me sinto bem, acarinhada, especial, mesmo ficando classificada perto da última dezena de atletas chegados.
Fernando Andrade, conte comigo desde já para a 32ª edição!
Ana Pereira
Setembro 2007
segunda-feira, 10 de setembro de 2007
Ainda a Meia de S.João das Lampas, em imagens
Fotógrafos: Carlos Viana Rodrigues, José Duarte, José Gaspar, António Lopes e Rita Viana Rodrigues
A todos eles os meus sinceros agradecimentos e parabéns pelo excelente trabalho conseguido, pois sem eles, nada disto que aqui está, teria sido possível.
sábado, 8 de setembro de 2007
31ª Meia Maratona S.João das Lampas
Apenas há dois anos lá me estreei. E o mito caiu por terra! E eu até gosto daquele tipo de percurso. Tem de se dar um desconto pela minha tendência masoquista, mas ainda assim, ele há gostos para tudo, e eu, por muitas mais razões que essa, elegi a Meia Maratona de S.João das Lampas para figurar com termos de permanência efectiva na minha agenda desportiva, de ano para ano.
E ao fim de trinta anos, vindo a treinar aos poucos, conseguiu nesta edição, aquela organização dar um salto para um patamar bastante elevado. Os tempos das voltas ao coreto já são história.
Hoje, uma organização profissional, com substanciais melhorias nesta edição, leva a cabo uma prova de mérito excelente.
Um prova com um site próprio onde se disponibilizou muita informação, antes e depois da prova.
Facilidade de inscrição, levantamento de dorsais sem quaisquer problemas, uma exposição da história desta corrida que completou hoje 30 anos, sempre interessante de recordar ou de simplesmente se transportar, pois apesar do pelotão estar envelhecido, para muitos é uma viagem ao passado, ao mundo e à realidade da corrida em Portugal há 30 anos, quando eram ainda miúdos de calções ou nem eram nascidos sequer.
Muita animação na partida, chegada e ao longo do percurso. O público ajudou, feliz de nos ver passar na sua terrinha a cheirar saudavelmente a estrume de vaca ou de porco. As mulheres, de bata vestida, as crianças de mãos estendidas para nos tocarem, os homens de copo na mão, mas sempre batendo palmas, e dando palavras de incentivo, e desejando que voltemos para o ano. Voltaremos sem dúvida.
A organização teve ainda o cuidado em escalonar as classificações de forma mais justa do que ao que estamos habituados negativamente em muitas outras provas, principalmente no que diz respeito ao sector feminino.
Uma partida animada e atempada. Uma caminhada/mini em simultâneo para que todos tenham a oportunidade de participar na festa.
Bons e suficientes abastecimentos, assim como chuveiros à disposição ao longo de todo o percurso certificado, bem sinalizado e com os quilómetros marcados.
Relevo positivo para as indicações de aviso para atletas e automobilistas, na estrada nacional, de forma à circulação de ambos se fazer o mais segura possível.
Uma excelente reportagem fotográfica levada a cabo pela equipa da AMMA, disponível on line passadas poucas horas do final da prova.
O mesmo para as classificações, no site da prova.
Uma chegada gloriosa para todos, recebidos com atenção e mimo, desde as palavras e gestos (e estes e aquelas que tanto valem, para saber se estamos bem, se nos sentimos bem…) passando pelos produtos tradicionais da zona, desde ovos, bolinhos, salgados, e outros, não esquecendo a t-shirt, ofertados com carinho por mãos voluntariosas que nos iam enchendo o saco e sorrindo-nos, em trajes bonitos e vistosos.
Teve a prova este ano pela primeira vez, uma bonita medalha, e uma revista da prova, que esperemos venha a ser possível manter, onde se contam histórias e testemunhos de 30 anos, assim como se inclui a classificação do ano passado.
A entrega de prémios foi feita com a dignidade que a prova e os atletas merecem.
Por resistir 30 anos, chegar a 8 de Setembro de 2007 e presentear todos os que participaram, com esta magnífica prova, está sem sombra de dúvida toda a equipa da Organização da Meia Maratona de S.João das Lampas de Parabéns! Muitos parabéns a toda a equipa, personificada na pessoa do Fernando Andrade (pela resistência ao tempo e não só como é evidente!), mas que sem aquela, nada disto teria sido possível!
Um único reparo negativo, totalmente alheio à organização, cai inteiramente para o mau trabalho da GNR, que apesar de ser paga para condicionar o trânsito e garantir a segurança dos atletas (do primeiro ao último) nitidamente não o fez! O controlo do trânsito que se pretendia condicionado, foi claramente insuficiente e deficiente para a cauda do pelotão, e se, nem que fosse apenas para um único atleta a sua segurança ser colocada em risco, o estabelecido não foi cumprido nem alcançado. Um antigo problema desta prova que provavelmente só um poder (político? social? económico?) mais forte pudesse eliminar. Talvez se de um jogo de futebol se tratasse, o trânsito fosse cortado na íntegra. Talvez.
31ª Meia Maratona de S.João das Lampas
Tendo em conta a disposição e circunstâncias em termos pessoais dos últimos dias (semanas), não deixei de ir com alguma falta de vontade, posso mesmo dizer que estive lá mais pelos outros do que por mim, mas na minha vida, mais uma vez se confirma: o que fazemos "pelos outros" acaba por nos dar a nós o dobro (muito mais que o dobro!) do que damos nós aos outros. Talvez percebam...
Da prova, falarei mais tarde. Por agora deixo aqui apenas:
A bonita medalha:
O meu dorsal, que suou e sofreu comigo:
A Revista da prova:
quarta-feira, 5 de setembro de 2007
É mentira! De facto sinto uma vontade imensa e constante de chorar mas não consigo. Um pranto iminente contido e abafado, que tarda em desabrochar. Por isso os planos de treino estão por aí espalhados pelo chão da casa e secos. Secos e vazios. Páginas inteiras em branco para preencher um dia, quando eu for uma mulher perfeita.
Acontecimentos vários nos últimos dias atiraram-me para um estádio onde não gosto de estar.
A comida já não sabe a nada, mas continuo fastidiosamente a comer.
A corrida quase já não sabe a nada, mas continuo teimosamente a correr.
Os beijos já não sabem a nada, mas continuo enganosamente a beijar.
Apenas o sorriso e os olhos e a voz cantada da minha filha têm cor e mel e trazem de volta uma ténue recordação do sabor doce que eu sei que a vida também tem.
Bebe-se mais um golo de coragem de uma garrafa cheia de vida (não é a água, vida?), e amanhã será outro dia (se sobrevivermos a esta noite), e no dia seguinte temos a Meia de S.João das Lampas para correr.
segunda-feira, 3 de setembro de 2007
Deus e Margarete
Mas este blog não serve esses fins. Serve outros. É o espelho de mim, onde por mais voltas que dê, a imagem será sempre eu própria, onde eu me reflicto e que me faz reflectir. Psicanalista barato e à mão é o é este blog, pois não tenho dinheiro para outro.
Dia 30 de Agosto de 2007 – aniversário da Margarete
“Margarete, neste dia que devia de ser de alegria, sem te conhecer, quero dar-te os parabéns , e dizer-te que muito te admiro e que gosto de ti (pelo que a tua mãe e a minha Mafalda me transmitem sobre ti). Não tenho mais palavras querida. A vida é um mistério que jamais será descodificado. De uma coisa tenho a certeza: não mereces a dor que a vida te tem infligido. Queria dar-te um beijo e que o teu sofrimento parasse permitindo um sorriso nesse rosto de olhar radioso que sei que tens. Desculpa este atrevimento mas também tenho uma filha, hoje com 10 anos, amanhã não sei, e a tua situação sinto-a e faz-me sair estas palavras do coração. Não sei se compreendes… Desculpa… e um beijo sem mais sofrimento menina. Um beijo à Paula também, tá? Ass: mãe da Mafalda”
Sensivelmente 24 horas depois de enviar esta mensagem, o seu sofrimento parou.
E 48 horas depois dei-lhe um beijo no seu rosto frio, onde já não havia mais sofrimento. Um beijo natural mas sentido numa cara de menina, boneca, um afago no cabelo, de forma tão natural e sentida como o faço à minha filha, e com o único consolo que o seu sofrimento cessou.
Agora Deus! Deus ou os Homens? Compreendo mas não aceito! A fé de cada um a cada um diz respeito, mas assistir impávida e serena a verdadeiras atrocidades e blasfémias a sair da boca de um clérigo que vomitava frases feitas há muito decoradas e sobre as quais já nem ele próprio deve saber o sentido, foi-me deveras difícil manter quieta e calada no meu lugar!
Devo esclarecer que fui criada num ambiente católico mas que desde que comecei a pensar por mim me tornei ateia. Respeito opiniões e crenças distintas desde que me respeitem a mim.
Acredito no Homem. Na força da sua bondade, dos seus sentimentos, na verdade, na lealdade, na justiça, no poder da sua vontade, na crença em si próprio e na vida. (se calhar é aquela tese do – Deus está dentro de nós -)
E ver uma menina com 24 anos acabados de fazer jazer branca e fria dentro de um caixão e ouvir o padre ou lá o que o homem era, dizer que a “irmã ofereceu a sua alma”, como se fosse escolha sua e como se morrer – ser escolhida sabe-se lá por quem – fosse um privilégio, só me deu vontade de ir lá à frente, levantar a mesa do avesso e confrontá-lo com aquilo que ele estava a dizer.
“Os que acreditam serão salvos” - insistia. Mas que raio de deus é esse que salva e ressuscita um dia os que nele crêem e condena os que não crêem? Que leva os que mais ama para os levar para o paraíso onde não há dor, só alegria? Ora que merda! Porque não nos suicidamos todos já? Ah, não podemos, já me esquecia, é pecado…
Por acaso neste momento ando a ler um livro “No Tempo das Fogueiras” de Jeanne Kalogridis, e só me vinha à ideia: se esta gente aqui e agora, adivinhasse o que me vai no pensamento, queimavam-me viva!
Só peço: quando eu morrer, que me façam um funeral o mais pagão possível. Poupem tanto disparate e hipocrisia.
Compreendo que ter uma fé deste ou de outro tipo nos facilita a vida. Dá-nos conforto e alento quando tudo o resto falha. Por isso o Homem criou Deus. Aliás, Deuses! Eu gostava de ter um Deus, um deus qualquer, mas o meu ”Deus” habita em mim e nos outros homens. Está nas árvores e nas borboletas e nos pássaros e nas flores. É a vida em si, a morrer e a renascer todos os dias, transformando-se milagrosamente!
Quando morremos, o sangue deixa de correr nas veias e a alma como entidade com vida própria apaga-se pura e simplesmente.
Resta-nos a nós, os que ainda ficamos por mais uns dias, mantermos viva a alma dos que partem. Viva nas marcas que nos deixaram, nas palavras que nos disseram, nas acções que nos tocaram e transformaram a nossa vida e o mundo. Nós os vivos (por enquanto) é que vamos manter a alma da Margarete viva. Viva. Em paz, a descansar e talvez a olhar por nós, pelos que ela amava e que a amavam.
Quando a Paula triste me diz que já não vai correr a Portalegre, onde a filha tanto a ansiava ver correr, eu na hora não soube que responder, mas hoje respondo: vais correr sim Paula! E dessa forma vais manter a sua alma viva! Em ti! Em nós! No mundo! Porque sabes o quanto ela se vai orgulhar de ti!
Esta é a minha religião.
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Não, nunca teria evocado sequer a Margarete sem a autorização da mãe.
E tenho muito gosto de transcrever de seguida as palavras da Ana Paula Pinto em resposta ao meu pedido de autorização para colocar on-line o que acabaram de ler:
"Ana
Tens a minha autorização para colocar o texto.
Não, não penso nem sinto da mesma forma que tu e, graças a Deus assim é;caso contrário estaria nesta hora louca de dor.
Acredito e quero continuar a acreditar que a minha menina (anjinho de bondade, abnegação e coragem - isto não são palavras babadas de mãe, mas sentimentos de todos quantos a acompanhram, desde enfermeiros, médicos, auxiliares, gente conhecida e desconhecida) repousa agora feliz, numa morada eterna, sem dor, sem lágrimas e sem sofrimento.
Acredito que ela agora vê (tinha cegado), anda (tinha deixado de andar) esente (tinha deixado de sentir, excepto as dores atrozes).
Algures, acima ou abaixo desta Terra ela existe e espera-me. Vela por mim e por todos quantos amava. Será sempre recordada e amada, igualmente.
Mesmo antes de morrer as suas únicas palavras, balbuciadas de forma quase imperceptível, eram"desculpa" e "obrigada". Por isso, Ana, ela ofereceu a sua vida aos outros. Irmã na fé e na esperança de uma felicidade que não conheceu neste mundo.
Gostaria que acreditasses, mas a fé não se explica. Nasce, mas pode-se aumentar. Quando desesperamos ela é o nosso único auxílio e Deus o único aliado.
A Margot não era de "folclores", nem dramas, nem exageros, nem nada que a fizesse notada. No entanto sobressaía de todos os mortais que conheci até esta data. Também ela chamou por Deus e pela mãe, esta mãe que foi impotente no seu sofrimento, mas que se sente muito honrada de a ter gerado e aprendido com ela uma lição de vida inesquecível.Ela mudava tudo e todos. Era única (como somos todos) e sabia o valor que, apenas o facto de dar um passo, calçar uns sapatos, lavar os dentes, ou levar uma colher à boca podem ter.
Se ajudar alguém o teu testemunho, publica. Se não ajudar mais ninguém, pelo menos, fica o teu desabafo e isso ajuda-te a ti mesma.
Não poderei correr em Portalegre, sou uma fraca que não aguentaria, mas acredita que gostaria de o fazer. Ela merecia-o. Se quiseres, coloca junto das tuas palavras, estas que te enviei.
Obrigada e um abraço.
Paula"
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Paula, não vais correr em Portalegre não! Nem tu nem eu nem ninguém! Mas não é por essa razão que referes, porque tu és forte e quem suporta o que tu passaste e estás a passar- só tu o sabes, mais ninguém! - pode ser tudo, menos uma fraca! Não vamos correr a Portalegre porque a prova acabou de ser cancelada!
Mas Paula, não faltam por aí corridas e ainda vais fazer uma Meia Maratona, com todo o apoio e incentivo que sabes que a Margarete te dava. Ela vive dentro de ti! E orgulha-se de ti! E tu vais correr! Por ela, por ti!