Racional e emocional. Junte-se-lhe o instinto, o impulso, o desejo, o medo e a incerteza, ainda a vaidade, o amor, o próprio e o pelos outros que é coisa difícil de definir, a fome e a dor, o sexo, a luxúria, as máscaras que se vestem e quase nunca se despem, as carências e necessidades, e temos o ser humano no mais simples retrato que lhe é possível fazer.
E isto tudo para quê? Para dizer que se quero continuar a correr, tenho de treinar. Ou se pretendo continuar a levar o estilo de vida dos últimos meses, devo deixar de correr de vez! Pois o que faço – participar em provas domingo após domingo sem quaisquer treinos pelo meio, é-me mais prejudicial que benéfico - Isto diz-me a Inteligência Racional ou Noética.
Depois a outra, a grande inteligência, a inteligência de ser, analógica e instintiva, impele-me para a frente sem qualquer racionalidade. Alinho nas partidas mas cada vez é-me mais difícil chegar. Será assim tão importante chegar? Não é o caminho que importa? Já nada sei…
Quantas vezes na minha vida, faço o que sei que não devo fazer? Atraída pelo abismo, caminho sobre labaredas e sorrio. Riscos. Riscos estúpidos próprios de um masoquista. Estúpida inteligência esta. De nada serve sem a outra. Conjugar as duas? Tento. Uma e outra vez tento. A Racionalidade tem de segurar a Besta que me habita.
E porque estou outra vez a tentar, numa luta contra o que um dia hei-de descobrir, hoje fui treinar.
Acho que já não o fazia há mais de um mês. E porquê? – perguntarão. E eu, cansada, peço por favor que essas inteligências aí em cima mencionadas respondam, porque eu de inteligência útil tenho muito pouco e não sei responder.
Assim, corri durante 40 minutos. Corrida Contínua Lenta, que já nem sei o que é outra. Apenas para “pôr a máquina a funcionar”.
No fim, deitada sobre a relva, contemplo. A baía, as casas, as aves, as pessoas, a vida, eu. Autêntica contemplação interrompida por uma bola perdida de um garoto de olhos lindos e vivos, cabelo louro despenteado a esconder-lhe o olhar maroto.
- Desculpe minha senhora…
Sorrio quando lhe devolvo a bola, que ele segura com as mãos sujas.
- Não faz mal.
É bom saber que há vida. Que há bolas que rolam e meninos lindos e sujos de Sol a correr atrás delas e a sorrir.