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sábado, 8 de abril de 2023

Grande Prémio de Constância

8 de Abril de 2023

O mote foi o Grande Prémio de Páscoa. Em Constância. Onde já corri algumas vezes e fui feliz e onde chorei um dia também. Desde a partida da Margaret, em Agosto de 2007, que a Mãe, a Ana Paula Pinto decidiu correr a sua 1ª Meia Maratona (em Dezembro desse mesmo ano, ver aqui (por mim): http://mariasemfrionemcasa.blogspot.com/.../maratona-de... + aqui (pela Ana Pinto): https://alemvirtual.blogs.sapo.pt/19430.html ), levando a filha ao peito, mostrando-a com orgulho ao mundo, e depois, sempre nesta prova, em Constância, onde o corpo repousa e já se transformou, certamente nas mais belas flores a cativar insectos bonitos e coloridos e também pessoas (é a Vida a vingar), em singela homenagem, lembrança de quem nunca é nem pode ser esquecido: um filho. Acompanhei-a as vezes possíveis (demasiado poucas), pois nem sempre o consegui por esta ou aquela circunstância. Este ano iria novamente, estava decidido. Inscrita na Corrida, vi-me , por razões físicas, impossibilitada de o fazer, mas nem por isso deixei de ir. Fiz a Caminhada, levando também a Margaret ao peito, por entre flores e abelhinhas, com o Zézere e o Tejo no horizonte. Acompanhada pelos meus, foi também por isso, esta, uma Caminhada especial. Como será sempre Correr ou Caminhar em Constância. E como dizia, o Grande Prémio de Constância deu o mote e à conta disso, tivemos uma verdadeira "Santa" Páscoa, aquela como se querem todos os dias da nossa vida, recheada de momentos de amor e alegria, revendo amigos, comemorando a vida e a amizade, essa bela forma de amor, momentos em família, a verdadeira, aquela que o sangue não define, e criámos e vivemos momentos que já hoje recordo com o maior sorriso nos lábios e o coração cheio.
Fica sempre a vontade de voltar. E isso só pode ser muito bom! E para o ano, queremos voltar a Constância e Correr e Caminhar, também e outra vez e sempre, pela Margaret. E porquê? Responde a Mãe: ".../.. Este ano penso correr. Pensei também levar a efeito algo que já tinha pensado no outro ano...
Correr com a mesma t-shirt com que fiz a minha primeira Meia Maratona em memória da minha filha. Correr lembrando a Margaret em Constância tem um duplo significado: homenagear a sua coragem e a sua luta na luta contra o cancro e recordá-la a quem vir o seu rosto. Recordar ainda que esse rosto tão belo e suave está sob sete palmos de terra, lá no alto, junto à Igreja Matriz.../..." - palavras de Ana Pinto
E em 2024, quem vai querer lá estar?













domingo, 12 de março de 2023

Tia Lurdes, 3/09/1935 - 11/02/2023

Faz um mês que partiste. Poucos sentiram. E poucos sentem a tua falta agora, nós incluídos, deixemo-nos de romantismos bacocos e hipócritas. A falta de convivência nos últimos tempos, por vicissitudes da vida não se coaduna com falsas saudades e doces palavras agora. Excepção feita às colaboradoras do Lar onde te encontravas, pois têm menos um idoso para tratar, mas o lugar depressa é ocupado por outro e entre mudas de fraldas, banhos e paciência de Jó e também sabedoria para lidar com demência, teimosias e a dor do esquecimento também, depressa o lugar que ocupavas será substituído por outro velho. Na cama do quarto e no coração das empregadas. Só isso. Assim.

Partiste no dia 11 de Fevereiro de 2023, dia que a tua mãe, a Ana Caixeira, a minha Avó Ana, faria anos se cá estivivesse. Não estava. Estava no céu, certamente a aguardar-te de braços abertos, reunindo os filhos num abraço só, como te disse na véspera de partires. E diz-me lá agora, foi assim ou não foi? 

Encontravas-te no hospital desde 26 de Janeiro, para morrer, como nos disse de forma dissimulada o médico que nos convidou a fazer a despedida. Porque estavas a morrer. Como se todos nós não estivéssemos a morrer desde o dia da concepção! Assim, "despedimo-nos" a 30 de Janeiro, dia em que nos ligaram, mas foi uma falsa partida, até porque nos pediram para não te tocar e foi por demais doloroso. Não é assim que as depedidas devem ser! Depois, porque tu nunca mais morrias, senti que tinha de lá voltar para a derradeira e verdadeira despedida e te mandar seguir.

Aliás, aquela visita ao hospital na véspera de partires (10 de Fevereiro), foi muito mais que uma despedida. Encontrei-te sem falar, mas a comunicação vai muito além das palavras emitidas e escutadas. A visita foi principalmente uma combinação que fiz contigo. Devias partir Tia. Estava na hora. Falei como uma parvinha, disse-te tudo o que me ocorreu enquanto te segurava a mão e acariciava o rosto e te dava beijinhos. E sem falares, senti claramente que me respondias a cada patetice que te dizia. Emitias sons, pois as palavras já não saiam articuladas mas eu ouvi-te com espantosa e estranha clareza e lucidez, que te faltava muitas vezes nos últimos tempos. É impressionante, não é? Até soltámos umas tristes e tímidas garagalhadas, a recordar a nossa vida, desde que eu era uma meninininha e tu me seguravas no colo, em passeios pelo campo, já nessa altura a fazer-me apreciar as flores e toda a natureza na sua grandiosidade e beleza. E eu, contavas tu, ao teu colo e sem andar ainda, vincava os pés com força nos ossos da tua bacia e saltava de alegria, dava pulos como se quisesse correr e acompanhar o meu irmão que ia à nossa frente a saltitar.

Recordámos muitos momentos partilhados, sem lágrimas ou tristeza, bem pelo contrário. Foi uma retrospectiva carregada de emoção e clareza também. A tua missão estava findada. E a tua família, a família que tinhas e da qual tanto te orgulhavas estava aqui contigo, nesta última hora e não te esquece. Porque é impossível esquecer quem nos marca e deixa pedacinhos de si, eternamente albergados no nosso coração. A tua forma simples de ser e viver, o teu coração, a tua gargalhada e a tua bondade, permanecerão para sempre dentro de mim. Assim como a lembrança do teu rosto macio, o cheirinho a creme Nívea, a forma como nos penteavas e depois lambias o teu dedo e passavas pela nossa testa para corrigir algum cabelo mais teimoso fora do sítio, ignorando a nossa cara de "ai que nojo". Como sorrio ao recordar-me disso agora. A tua alegria e a tua gargalhada. O deprendimento pelos bens materiais. Se tinhas duas camisas, davas uma. Se tinhas uma, rasgavas ao meio para dividires com quem nada tinha. Sempre foste assim. E amiga dos animais. E tinhas também a força e coragem da não acomodação. Sempre que estavas mal, mudavas. Sem receio de censuras, nem à luz dos anos 50 e por aí fora. Sempre fizeste o que quiseste, o que achavas melhor para ti e para quem amavas. Eu incluída. Entre outros. A fome que passaste, a luta com a tuberculose, que venceste. Os meninos que "criaste", a servir os senhores doutores em troca de favores à nossa família, qundo tudo escasseava. Os postais e as palavras que chegavam do Ultramar, sempre acompanhados de uma prendinha, no tempo que lá estiveste. O apego à vida. O cheiro do pão com café, com que fizeste tantas refeições. A simplicidade. A força para enfrentar qualquer situação, com coragem, serenidade e a sabedoria que acaba por mostrar que tudo se resolve, sempre! Ensinamentos que ficam. Ao escrever, vejo que tenho muito mais de ti do que pensava e isso agrada-me. Obrigada, Tia Lurdes.

Por fim, pedi-te para abraçares a Molly e lhe dizeres o quanto a amamos. Que um dia nos vamos todos reencontrar. Ah como as doces mentiras são necessárias para conseguirmos levantar cabeça e seguir em frente, e continuar a cumprir a nossa missão neste plano, e ainda ser feliz durante a nossa Caminhada.

Saí de lá com a certeza que partirias no dia seguinte. Tínhamos combinado. E assim foi. Cumpriste o combinado. Partiste a 11 de Fevereiro de 2023.

No dia seguinte, perguntam-me se queríamos abrir o caixão durante o "velório". Claro que sim! Estavas bonita, serena. Afinal a preparação dos mortos é uma arte e para isso se paga. Mal me abeiro do teu corpo (tu já não estavas ali), sorrio. Era como um segredo. Nós tínhamos combinado que assim seria, Tia. E assim foi. Certifiquei-me que estavas bem vestida, inspeccionei-te dos pés à cabeça, acariciei-te o cabelo sobre a testa e tentei aquecer-te as mãos pequeninas, agora repousadas uma sobre a outra e ambas sobre o teu peito, mas eu estava tão gelada quanto tu.

Segue em Paz, Tia Lurdes, um dia, estaremos juntas de novo.