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domingo, 21 de fevereiro de 2021
Quero guardar-te
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021
Aquele olhar
Esta
noite estiveste inquieta. Muito inquieta. Não sossegavas de forma
alguma. Saías da tua caminha e vinhas deitar-te no chão, aos pés da minha cama.
Lambes feridas que teimam em reaparecer agora depois da 2ª sessão de quimioterapia e os tecidos inflamados regressam,
invadindo os espaços sãos do teu corpo. Tens a respiração ofegante, levantas-te
e pedes para ir ao terraço, onde, ao invés de um qualquer e habitual alívio da
bexiga, acabas por simplesmente ficar estagnada de pé, a olhar o céu negro sob
a doce chuva morna que de mansinho nos caía em cima e incrivelmente nos sabe
tão bem. Uma vez mais, contigo aprendo a saborear o momento, por mais singelo e
vulgar que pareça, e encontrar nele o significado da vida. Da minha vida, pelo
menos. Vens para dentro, bebes água, afago-te o pêlo com uma toalha,
limpando-te, e vais para a tua caminha onde não ficas mais que escassos minutos,
para te ires deitar de novo no chão, aos pés da minha cama, onde também não
descansas e depressa te levantas para mudar de lugar e posição.
Passo
a noite em sobressalto. Como sobressaltada tenho vivido desde há um bom tempo
para cá. Parece que tenho sempre o coração nas mãos e a qualquer momento se
pode partir irremediável e definitivamente.
Mesmo
antes de termos tido a confirmação, já sabíamos que o prognóstico não seria bom,
conforme se veio a confirmar: Linfoma T, que te ataca tudo o que é mucosa. O resultado veio precisamente na
véspera de Natal, dia 24 de Dezembro de 2020, mas a Doutora não nos quis dar a notícia
antes do Natal, como se ainda fosse possível passarmos o Natal felizes e descansados. Mas não, não era possível, porque nós, sem saber, já sabíamos.
Hoje
acordaste triste. Mas não precisei de te chamar para irmos à rua. Vieste ter
comigo à cozinha e saímos bem cedo para a rua. Noite ainda. E que custoso foi
este passeio hoje, meu amor. Caminhas muito devagarinho, meio trôpega, quase a
tropeçar nas tuas próprias patas. E depois…aquele olhar! Aquele olhar, querida
Molly, que eu não quero aceitar e finjo não compreender. Insisto e incentivo-te
a caminhar e tu lá vens, muito devagarinho. Fazes as tuas necessidades e por
fim chegámos a casa, de uma voltinha que pareceu interminável hoje. E aquele olhar
Molly, aquele olhar…Que me trespassa o coração e me deixa sem palavras. Apenas
te acaricio e minto-te descaramente dizendo que vais ficar boa, meu amor. Mas tu e eu
sabemos que é mentira. Mas também sabemos que tem de ser assim meu amor. Até ao
fim. Acreditar mesmo, que este dia vai ser bom e que temos este momento para partilhar e viver! E isso, meu amor, isso,
é mesmo verdade e é a esta verdade que nos agarramos e é esta verdade que nos faz acreditar e
lutar, dar o melhor de nós em cada dia para fazer deste dia, um dia melhor. E
assim será. E amanhã um outro dia. Melhor talvez…