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sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Mais um dia da nossa vida...








Se é para ver a minha filha feliz, e se me é possível, faço! Não me importo os quilómetros, o tempo gasto a conduzir, o gasóleo que o carro bebe aos galões, de forma bem mais gulosa do que eu bebo galões, nem a chuva ou o sol, ou as batatas cozidas comidas sem conduto na mesa escassamente metade farta.

E ontem foi mais um dia. Da minha vida. Da nossa vida, visto que de momento não concebo a de uma sem a outra, ou mais a minha sem a dela, mas adiante. Um dia em que me cansei, mas que não me cansei nada de ouvir repetido na voz da petiza que tinha sido um dos dias mais felizes e divertidos da vida dela. Pois, então o meu também, não só por lhe ter deixado um dia “desses” mas porque com ela, as coisas tornam-se de facto divertidas, estimulantes e sinto por vezes a euforia, a expectativa vivida em ansiedade, a alegria das (re)descobertas, a genuinidade das sensações, das emoções vividas pela primeira vez por ela, e redescobertas por mim, com ela ao lado.

Tudo estaria perfeito não fosse chegarmos a casa e termos encontrado o Gilocas morto na gaiola. Não fosse a miúda cair-me em cima com soluços mal contidos, num choro miúdo, mas sentido que lhe sentia a dor no seu pequeno peito a bater descontroladamente contra o meu.

Partidas que a vida nos prega. Agora temos é de cuidar da Flora, que ficou só, e que piou hoje o dia inteiro de uma forma como nunca a houvéramos ouvido piar. O seu parceiro, em quem se amparava para dormir, lado a lado, onde amparava muito mais que o corpo certamente, desapareceu. Ao seu lado no poleiro, não está ninguém agora. Dói o piar do animal. Só pára à noite, quando derreada pelo cansaço e pelo sono e certamente também pela dor, se deixa vencer e se cala.

O corpo do Gilocas está embrulhado num pano de algodão branco. Parece mais frágil, magro e indefeso agora morto. Parece um bebé dormindo. Um pequenito que se deixava pegar e passeava pousado no meu indicador. Vou ter saudades do Gilocas. Está numa gaveta frigorífica, como se esperasse autópsia e vai amanhã a enterrar, no campo, onde será visitado pelas borboletas e abelhas e libelinhas, onde nascerão flores, até se transformar ele em pó, e mais tarde também ele será flor, borboleta, ou pássaro para de novo poder voar. Livre dessa vez. Na Natureza, nada se perde, tudo se transforma.

Agora, temos de cuidar da Flora. Temos de cuidar da Flora, filha. – repito-lhe enquanto lhe limpo as lágrimas da cara.



A nossa Flora, hoje:

Não costumo ser “destas coisas”. Mas não foi só um pássaro. Não foi só um estúpido e insignificante pássaro amarelo. Foi o nosso Gilocas. Com a sinceridade de que dificilmente me consigo dissociar, a mim particularmente não me machucou por aí além. A vida é mesmo assim. Sem darmos conta, já nos está a tirar o que nos deu, ou o que conquistámos. A justiça não passa de uma utopia. Quer a dos homens quer a outra, a que dizem divina, mas que não passa afinal de meros acasos e conjunto de condições reunidas para provocarem a circunstância. Mas doeu-me a dor da minha filha e a dor da Flora, durante um dia inteiro chamando em vão pelo seu companheiro, para lhe pousar a cabeça no seu peito, para dividirem comida, conversarem, brincarem ou beijarem-se. Desta vez senti…

Descansa em paz Gilocas.

1 comentário:

disse...

Puxa, até eu que não conhecia o Gilocas senti! Força aí prá Flora e para sua neném. Bjs. Zá.