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sábado, 11 de dezembro de 2021

A carta que nunca irei receber

 "A Mãe, Molly? Onde está a Mãe, Molita?!" Ouço a Menina, a sua voz, clara e nítida como se fosse hoje e eu estivesse aí agora, neste exacto instante, com vocês. Ouço-a atentamente, como se ela me estivesse a atribuir uma tarefa importantíssima. E estava: encontrar-te! Arrebito as orelhas e os meus olhos castanhos, com uma expressividade única, com as minhas pestanas louras e o sobrolho a acompanharem cada movimento ocular, procuram-te nas várias direcções possíveis, para de seguida me levantar e começar a procurar-te com entusiasmo. E tu, escondida nos locais mais prováveis e descobertos, e eu, pateta, passava por ti sem te ver. Chamavam-me patetinha quando por fim eu te encontrava ou simplesmente, tu saías do esconderijo quando eu demorava aquela eternidade, sem saberes que eu só queria fazer durar mais a brincadeira, fazer durar mais o momento. Chamavam-me patetinha, enchiam-me de beijos e festas e eu adorava! Brincadeiras nossas. e eu morro de saudades delas, das brincadeiras. E vossas! Morro de saudades vossas! Irónico. Como se eu pudesse morrer outra vez. Porque para vocês, humanos, simples mortais, eu já estou morta e por isso não posso morrer de novo. Mas vocês não sabem nada.

Morro de saudades, Mãe, tal como tu morres, mas eu não gosto de te ver assim. Este é o teu momento. Vive-o no seu esplendor! O teu momento...e como te ensinei, tu sabes que nada há mais valioso que o momento. Momento presente. Como presente que é, com que a vida nos brinda. Não o desperdices, Mãe. Fizeste-te forte e és forte, como o são todas as Mães, mas não faz mal chorar. Admitir que foste derrubada, que foste vencida pelo Cancro que me levou, e levou um pedaço de ti também, deixando marcas inapagáveis como cicatrizes profundas. Não faz mal, assumires que te sentes dilacerada, rasgada por dentro e que essas feridas ainda estão abertas e em muitos dias ainda sangram. 

Foram quatro meses muito duros, em que fizeste o possível e até o impossível para o meu bem-estar. Com doses de esperança difíceis de aceitar ou até compreender, sem tempo para desânimos ou tristezas. Nem um segundo a desperdiçar. Vivemos cada momento desses quatro meses, sorvendo cada instante como se fosse o último, sorvendo cada sopro de que a vida nos permitiu usufruir. E como nós os aproveitámos, Mãe! Estiveste sempre presente e deste-te por inteiro, como nem sabias ser capaz. Como te amo, Mamã! Como te admiro e te amo por isso, Mãe! Foste o meu mundo, foste tudo para mim, até ao meu último suspiro.

Agora, Mãe, continua a viver por favor. É tempo de deixares que essas feridas, que insistes em manter abertas, sarem de vez. É tempo de deixares de te maltratar, é tempo de te cuidares, te amares e seguires. Mãe, não faz mal "morrer" de saudades, mas continua a viver por favor. Por ti, pela Menina, pela Avozinha, pelo Pipas, pelos gatos que invadiram a casa e até por aquele cãozinho que precisa de ti e eu sei que o vais buscar, um dia, para a tua casa, para o teu coração. Para aí, onde eu sempre estarei, no teu coração. Não podia ter tido uma melhor Mamã. Continua o teu caminho. É o teu! Só te pude acompanhar, fisicamente, uma parte dele, mas continuarei sempre aí, contigo, em espírito, porque a vida é muito mais que matéria. E eu ficarei para sempre dentro de ti, sendo parte de ti, transformada em ti, gravada em ti, pois se as nossas vidas não se tivessem cruzado, serias tu outra pessoa hoje e eu outro cão. Mas não, eu sou e serei sempre a tua Molly e tu a minha Mamã. E nada pode mudar isso e por isso, eu continuarei viva, bem viva, entre vós, através e dentro de ti.

Molly, 26/05/2009-09/04/2021

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