É dia de Natal. Chove e está  frio.  Ainda assim, ela equipa-se e sai para a rua. Vai correr. O vento que a fustiga no rosto é gelado e as gotas de chuva parecem farpas a penetrarem na única parte do corpo exposto. "Mal habituada é o que tu estás" - pensa ela e com razão, recordando-se do seus amigos Xavier e Amélia a treinar lá na gélida Holanda, no meio da neve. Correu 8 Km em 48:32, média de 6:02. Chegou a casa, despiu as roupas encharcadas de suor e chuva, tomou um banho quente e ficou pronta, completa e plena para continuar a viver o Natal, junto da família, que não é mais que aqueles que nos alegram o coração e nos fazem sorrir. Porque o Amor, está sempre presente e nós sem ele não somos nada.
E amanhã, consta que estará na Invicta, para à noite correr a
S.Silvestre do Porto
E porque hoje é dia de Natal, e porque é uma história bonita que nos leva para além do peru recheado e das rabanadas e dos telemóveis e dos jogos electrónicos oferecidos  e recebidos, trago aqui...

de 
Hans Christian Andersen"Estava  tanto frio! A neve não parava de cair e a noite aproximava-se. Aquela  era a última noite de Dezembro, véspera do dia de Ano Novo. Perdida no  meio do frio intenso e da escuridão, uma pobre rapariguinha seguia pela  rua fora, com a cabeça descoberta e os pés descalços. É certo que ao  sair de casa trazia um par de chinelos, mas não duraram muito tempo,  porque eram uns chinelos que já tinham pertencido à mãe, e ficavam-lhe  tão grandes, que a menina os perdeu quando teve de atravessar a rua a correr para fugir de um trem. Um dos chinelos desapareceu  no meio da neve, e o outro foi apanhado por um garoto que o levou,  pensando fazer dele um berço para a irmã mais nova brincar.
Por  isso, a rapariguinha seguia com os pés descalços e já roxos de frio;  levava no avental uma quantidade de fósforos, e estendia um maço deles a  toda a gente que passava, apregoando: — Quem compra fósforos bons e  baratos? — Mas o dia tinha-lhe corrido mal. Ninguém comprara os  fósforos, e, portanto, ela ainda não conseguira ganhar um tostão. Sentia  fome e frio, e estava com a cara pálida e as faces encovadas. Pobre  rapariguinha! Os flocos de neve caíam-lhe sobre os cabelos compridos e  loiros, que se encaracolavam graciosamente em volta do pescoço magrinho;  mas ela nem pensava nos seus cabelos encaracolados. Através das  janelas, as luzes vivas e o cheiro da carne assada chegavam à rua,  porque era véspera de Ano Novo. Nisso, sim, é que ela pensava. 
Sentou-se  no chão e encolheu-se no canto de um portal. Sentia cada vez mais frio,  mas não tinha coragem de voltar para casa, porque não vendera um único  maço de fósforos, e não podia apresentar nem uma moeda, e o pai era  capaz de lhe bater. E afinal, em casa também não havia calor. A família  morava numa água-furtada, e o vento metia-se pelos buracos das telhas,  apesar de terem tapado com farrapos e palha as fendas maiores. Tinha as  mãos quase paralisadas com o frio. Ah, como o calorzinho de um fósforo  aceso lhe faria bem! Se ela tirasse um, um só, do maço, e o acendesse na  parede para aquecer os dedos! Pegou num fósforo e: Fcht!, a chama  espirrou e o fósforo começou a arder! Parecia a chama quente e viva de  uma candeia, quando a menina a tapou com a mão. Mas, que luz era aquela?  A menina julgou que estava sentada em frente de um fogão de sala cheio  de ferros rendilhados, com um guarda-fogo de cobre reluzente. O lume  ardia com uma chama tão intensa, e dava um calor tão bom! Mas, o que se  passava? A menina estendia já os pés para se aquecer, quando a chama se  apagou e o fogão desapareceu. E viu que estava sentada sobre a neve, com  a ponta do fósforo queimado na mão. 
Riscou  outro fósforo, que se acendeu e brilhou, e o lugar em que a luz batia  na parede tornou-se transparente como tule. E a rapariguinha viu o  interior de uma sala de jantar onde a mesa estava coberta por uma toalha  branca, resplandecente de loiças finas, e mesmo no meio da mesa havia  um ganso assado, com recheio de ameixas e puré de batata, que fumegava,  espalhando um cheiro  apetitoso. Mas, que surpresa e que alegria! De repente, o ganso saltou  da travessa e rolou para o chão, com o garfo e a faca espetados nas  costas, até junto da rapariguinha. O fósforo apagou-se, e a pobre menina  só viu na sua frente a parede negra e fria. 
E  acendeu um terceiro fósforo. Imediatamente se encontrou ajoelhada  debaixo de uma enorme árvore de Natal. Era ainda maior e mais rica do  que outra que tinha visto no último Natal, através da porta envidraçada,  em casa de um rico comerciante. Milhares de velinhas ardiam nos ramos  verdes, e figuras de todas as cores, como as que enfeitam as montras das  lojas, pareciam sorrir para ela. A menina levantou ambas as mãos para a  árvore, mas o fósforo apagou-se, e todas as velas de Natal começaram a  subir, a subir, e ela percebeu então que eram apenas as estrelas a  brilhar no céu. Uma estrela maior do que as outras desceu em direcção à  terra, deixando atrás de si um comprido rasto de luz. 
«Foi  alguém que morreu», pensou para consigo a menina; porque a avó, a única  pessoa que tinha sido boa para ela, mas que já não era viva, dizia-lhe  muita vez: «Quando vires uma estrela cadente, é uma alma que vai a  caminho do céu.» 
Esfregou  ainda mais outro fósforo na parede: fez-se uma grande luz, e no meio  apareceu a avó, de pé, com uma expressão muito suave, cheia de  felicidade!
—  Avó! — gritou a menina — leva-me contigo! Quando este fósforo se  apagar, eu sei que já não estarás aqui. Vais desaparecer como o fogão de  sala, como o ganso assado, e como a árvore de Natal, tão linda.
Riscou  imediatamente o punhado de fósforos que restava daquele maço, porque  queria que a avó continuasse junto dela, e os fósforos espalharam em  redor uma luz tão brilhante como se fosse dia. Nunca a avó lhe parecera  tão alta nem tão bonita. Tomou a neta nos braços e, soltando os pés da  terra, no meio daquele resplendor, voaram ambas tão alto, tão alto, que  já não podiam sentir frio, nem fome, nem desgostos, porque tinham  chegado ao reino de Deus. 
Mas ali, naquele canto, junto do portal, quando rompeu a manhã gelada, estava caída uma rapariguinha, com as faces roxas, um sorriso nos lábios… morta  de frio, na última noite do ano. O dia de Ano Novo nasceu, indiferente  ao pequenino cadáver, que ainda tinha no regaço um punhado de fósforos. —  Coitadinha, parece que tentou aquecer-se! — exclamou alguém. Mas nunca  ninguém soube quantas coisas lindas a menina viu à luz dos fósforos, nem  o brilho com que entrou, na companhia da avó, no Ano Novo."
Hans Christian Andersen
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Editora Verbo / adaptação